segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Os direitos das crianças e dos adolescentes no Sistema das Nações Unidas

A criança e o adolescente possuem legislação especial, a qual dispõe sobre seus direitos e deveres. Além disso, versa sobre atos infracionais, família, instituições responsáveis e poder público. Porém, além do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e claro da constituição ao qual esse se submete, o Brasil se subordina a normas especiais vindas de tratados internacionais e convenções assinadas com outros países a respeito desse assunto.
Os tratados e convenções sobre criança e adolescente surgiram em épocas distintas e alguns destes antes mesmo do ECA, que foi criado por suas bases. Lembrando ainda, que alguns deles se tornaram emendas constitucionais fazendo parte da própria Constituição Federal de 1988.
 Em 1924, a Assembleia das Nações Unidas fez a primeira referência aos direitos da criança mediante um instrumento internacional, reforçando uma resolução que fora promulgada no ano anterior por uma Organização não governamental (ONG), Conselho da União Internacional de Proteção à Infância (SavetheChildrenInternational Union). Esse documento ficou conhecido como Declaração de Genebra.
O Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, criado em 1945, propôs, em 1946, que a Declaração de Genebra fosse adaptada à nova situação do mundo pós-guerra. Assim, a fim de solucionar as questões urgentes da criança fundou, no mesmo ano, o Fundo de Emergência das Nações Unidas para as Crianças (UNICEF), o qual, em 1950, passou a chamar Fundo das Nações Unidas para a Infância, devendo o seu trabalho prosseguir por tempo indeterminado, conforme resolveu a Assembleia Geral das Nações Unidas.
Em 1948 foi promulgada a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de caráter internacional, que define direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, os quais todos os seres humanos, inclusive as crianças devem usufruir. Defende, no seu artigo 25 que “a maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais”.
A Declaração dos Direitos da Criança foi promulgada onze anos mais tarde pela Assembleia Geral das Nações Unidas, afirmando que “a humanidade deve dar o melhor de si mesma à criança”, sendo constituída por dez princípios, entre eles o Princípio 2° que enuncia:
A criança gozará proteção social e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na instituição das leis visando este objetivo levar-se-ão em conta, sobretudo, os melhores interesses da criança.
A concepção sobre a infância existente nas declarações da primeira metade do século XX consistia no fato das crianças necessitarem de cuidados especiais. Já em 1959, essa abordagem foi ligeiramente modificada, a criança passou a ter reconhecido De acordo com Catarina Albuquerque*, “Em 1976 a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou o ano de 1979 como Ano Internacional da Criança. Um dos objetivos gerais deste evento constituía na promoção dos interesses da criança e na conscientização do público e dos políticos para as necessidades especiais da criança. O Ano Internacional da Criança deveria constituir um ano de ação a nível nacional destinado a melhorar a situação das crianças. Foi a propósito deste ano internacional que foi apresentado o projeto inicial de uma Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.” (Gabinete de Documentação e Direito Comparado da Procuradoria-Geral da República. Disponível em: http://direitoshumanos.gddc.pt/7/VIIPAG7_5_3.htm#IA. Acesso em: 06 de agosto de 2012.)
E, finalmente, em 1988, a “Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a Convenção sobre os Direitos da Criança – Carta Magna para as crianças de todo o mundo – em 20 de novembro de 1989, e, no ano seguinte, o documento foi oficializado como lei internacional.” UNICEF Brazil - http://www.unicef.org/brazil/pt/overview.html. Acesso em: 06 de agosto de 2012.
*Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Mestre em Relações Internacionais pelo InstitutUniversitaire de HautesÉtudesInternationales tendo apresentado uma Tese sobre a utilização de minas antipessoal e o Direito Internacional humanitário, Doutoranda em Direito Internacional pela Universidade de Aix-Marseille, França.
UNICEF no Brasil e no mundo
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) foi criado em 11 de dezembro de 1946 pela Assembleia Geral das Nações Unidas a fim de prestar emergência às crianças no pós-guerra, exclusivamente para a Europa, Oriente-Médio e China. Tendo cumprido tais metas, os países mais pobres contestaram no sentido de que o UNICEF não poderia ignorar assistências às crianças necessitadas de outros países. Assim, em 1953, o tal órgão tornou-se permanente do sistema das Nações Unidas, podendo prestar ajuda às crianças de todo o mundo.
“O UNICEF, que tem sua sede central em Nova Iorque, realiza suas tarefas por meio de oito escritórios regionais e outros 126 escritórios espalhados pelo mundo, atendendo a 191 países e territórios. O UNICEF também conta com o apoio de 36 Comitês Nacionais que funcionam, principalmente, nos países desenvolvidos. Os Comitês Nacionais arrecadam fundos com a ajuda de voluntários e também vendem os cartões e produtos do UNICEF.” (UNICEF Brazil- Disponível em: http://www.unicef.org/brazil/pt/index.html. Acesso em: 06 de agosto de 2012).
O UNICEF está presente no Brasil desde 1950. Desde essa época tem atuado em grandes projetos, os quais estão transformando a realidade da infância e do adolescente no país, tais como: grandes campanhas de imunização e aleitamento, a aprovação do artigo 227 da Constituição Federal* e o Estatuto da Criança e do Adolescente, os programas de combate ao trabalho infantil, o movimento pelo acesso universal à educação e as ações por uma vida melhor para crianças e adolescentes no Semiárido brasileiro.
E ainda, de acordo com dados extraídos do site UNICEF Brazil as regiões Norte e Nordeste do Brasil, especialmente o Semiárido e a Amazônia são as que possuem piores indicadores. Por isso, essas áreas são prioritárias na atuação desse órgão:
“o Semiárido brasileiro, onde se encontram os piores indicadores sociais e mais de 70% dos 13 milhões de crianças e adolescentes vivem na pobreza; a Amazônia, onde vivem 9 milhões de crianças e adolescentes de considerável diversidade étnica e social, habitando esparsamente enormes áreas onde o desenvolvimento econômico, social e institucional é precário; as comunidades populares dos centros urbanos do País, onde a violência assume índices crescentes.”(UNICEF Brazil. Disponível em http://www.unicef.org/brazil/pt/where.html Acesso em: 07 de agosto de 2012).
De acordo com o SELO UNICEF “o governo federal aumentou em 27% os recursos do Orçamento Geral da União (OGU) para ações e programas destinados predominantemente à infância e à adolescência nos últimos dois anos. O investimento federal, que era de R$ 31,6 bilhões, em 2006, saltou para R$ 37,9 bilhões, em 2007, e chegou a R$ 46,8 bilhões até setembro de 2008”. (Selo UNICEF- Disponível em: http://www.selounicef.org.br. Acesso em: 7 de agosto de 2012).
OSistema de Monitoramento do Investimento Criança (SimIC), que foi desenvolvido pelo UNICEF para facilitar o acompanhamento e a análise dos gastos da administração federal com os programas e ações destinados às crianças e aos adolescentes, afirma que a síntese do investimento da criança entre os anos de 2006-2009 foi conforme o que consta na tabela abaixo, disponível em: - Investimento Criança. Disponível em: http://investimentocrianca.org.br/SimIC/Apresentacao.aspx. Acessado em 7 de agosto de 2012.


Investimento Criança no Brasil de 2006 a 2009 
(Total pago, incluindo os restos a pagar)
Valores Correntes


INVESTIMENTO CRIANÇA
ANOS
2006
2007
2008
2009
Crescimento (2009/2008)
TOTAL PAGO
28,9 bilhões
36,0 bilhões
45,4 bilhões
56,3 bilhões
24,00%


VALOR INVESTIDO POR CRIANÇA
ANOS
2006
2007
2008
2009
Crescimento (2009/2008)
INVESTIMENTO CRIANÇA/PER CAPITA
482,02
599,20
757,46
937,58
23,78%


INVESTIMENTO CRIANÇA - INDICADORES
(Relação entre o Investimento Criança e outros agregados macroeconômicos)
ANOS
2006
2007
2008
2009
INVESTIMENTO CRIANÇA (PAGO) / INVESTIMENTO CRIANÇA (AUTORIZADO)
91,45%
95.38%
95,26%
88,23%
INVESTIMENTO CRIANÇA / ORÇAMENTO DA UNIÃO
2,48%
3,02%
3,68%
4,08%
INVESTIMENTO CRIANÇA / PIB
1,25%
1,35%
1,51%
1,79%
INVESTIMENTO CRIANÇA / DÍVIDA INTERNA
2,56%
2,58%
3,05%
3,44%
INVESTIMENTO CRIANÇA / RECEITA CORRENTE LÍQUIDA
8,39%
9,30%
10,60%
12,87%




INVESTIMENTO CRIANÇA 2006
OS TRÊS PROGRAMAS COM AS MELHORES EXECUÇÕES ORÇAMENTÁRIAS
ANO
2006
ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI
144,79%
DESENVOLVIMENTO DO ENSINO MÉDIO
143,68%
COMBATE AO ABUSO E A EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
101,43%


INVESTIMENTO CRIANÇA 2007
OS TRÊS PROGRAMAS COM AS MELHORES EXECUÇÕES ORÇAMENTÁRIAS
ANO
2007
DESENVOLVIMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL
100,61%
TRANSFERENCIA DE RENDA COM CONDICIONALIDADES
100,27%
ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL
93,21%


INVESTIMENTO CRIANÇA 2008
OS TRÊS PROGRAMAS COM AS MELHORES EXECUÇÕES ORÇAMENTÁRIAS
ANO
2008
BRASIL ESCOLARIZADO
99,88%
TRANSFERÊNCIA DE RENDA COM CONDICIONALIDADES
98,83%
ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL
86,30%


INVESTIMENTO CRIANÇA 2009
OS TRÊS PROGRAMAS COM AS MELHORES EXECUÇÕES ORÇAMENTÁRIAS
ANO
2009
TRANSFERENCIA DE RENDA COM CONDICIONALIDADES
98,91%
BRASIL ESCOLARIZADO
92,43%
ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL
91,05%





                                    Adriana Grossi Dornelas e Jéssica M. V. Coelho.
Referências – Sites Oficiais
·        Investimento Criança. Disponível em: http://investimentocrianca.org.br/SimIC/Apresentacao.aspx.
·        SeloUNICEF- http://www.selounicef.org.br/?op=300&id_srv=2&id_tpc=40&nid_tpc=&id_grp=1&add=&lk=1&nti=2864&l_nti=S&itg=S&st=&dst=3. Acesso em: 7 de agosto de 2012.
·        UNICEF Brazil - Disponível em: http://www.unicef.org/brazil/pt/index.html. Acesso em: 06 de agosto de 2012.
·        UNICEF Brazil. Disponível em http://www.unicef.org/brazil/pt/where.html Acesso em: 07 de agosto de 2012.


quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Contribuição para o “Talentos FDCL” cresce a cada dia

Flávio está no 3º período na FDCL e incentiva a escrita e a leitura
A iniciativa da Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete (FDCL), por meio do Núcleo de Extensão e Pesquisa (NEP), em apoiar escritores, continua dando bons resultados. O aluno do 3º período Flávio Martins Siqueira é mais um que colaborou para o “Talentos FDCL” espaço no blog do NEP onde são publicados crônicas, poesias, contos e artigos não científicos.

Com 31 anos, Flávio conta que começou escrever ainda adolescente: “Comecei quando tinha 14 anos. Sempre fui muito imaginativo, e nessa época lia os clássicos, permeando – os com a série vaga-lume. Depois que lia ou ao meio de algo que muito me impressionava, fazia minhas “estórias” para dar vazão a toda minha imaginação desperta. Comecei a escrever poemas também, bastante melancólicos, pessimistas e rebeldes, que refletia muito minha alma adolescente. Influência de Legião, Nenhum de Nós, Goethe, Baudelaire, Álvares de Azevedo... aos vinte rasguei quase todos. Sentia que era minha maneira de trocar a pele. Agora vejo que fora uma fase fantástica, singular, parte imprescindível do meu caráter de então”.

Hoje, Flávio é bem eclético na hora de escrever: “Gosto de escrever contos, (sua grande maioria de terror) pensamentos (aos quais intitulo de avulsos), história infantil, que acredito ser a principal ferramenta para educar os “grandes”, poemas, quando estes quase me pegam pela mão me obrigando a escrevê-los, num processo que chamo de fermentação, que quando chega ao seu ápice já não posso mais ruminá-los e assim despejo no papel. Alguma coisa de prosa poética, uma indecisão entre um poema e uma historia. Alguns lampejos dadaístas, que muito me diverte”.

O escritor conta que tem apoio de familiares e amigos que o incentivavam em seu hobby: “Alguns dizem até para eu encarar isso mais a sério e deitar a mão e soltar esses pássaros todos. Gosto de brincar com eles e dizer que é um processo dolorido, que suga muito do corpo essa cabeça quixotesca. Que seria melhor ter uma impressora ligada ao cérebro e pronto. Se saísse algo ruim ou que incomodasse o outro era só descartar”, brinca.

Flávio tem cerca de 80 textos escritos. Além de um livro infantil no prelo intitulado “Morceguim, o morcego que gosta de flores”, um livro com alguns contos macabros e um de poemas esparsos intitulado “Quase alguma poesia” em referência a Drummond.

Para Flávio ter imaginação é o principal para que um texto fique bom: “Saber também explorar as inúmeras possibilidades de “jogo e ritmo” que as palavras nos permitem, tentando captar, buscar mesmo, um estilo próprio sem se preocupar muito com normas limitadoras. Mas sempre a nossa crítica é a pior, se conseguir vencê-la, vencer seus olhos de lince, está bom”.

O escritor finaliza elogiando o espaço que a Faculdade de Direito dá à literatura: “Achei muito, muito bom! Uma ótima maneira de ‘clandestinos’ depositar suas relíquias sujas aos olhos de interessados. Melhor dizendo, uma boa oportunidade de pessoas que gostam de escrever divulgar suas ideias e compartilhar suas opiniões com os demais. Uma ferramenta cultural muito criativa e oportuna, já que acredito haver aqui na FDCL muitas pessoas potencialmente criativas que têm muito a dizer e a se mostrar para crescimento de si o dos demais. Claro, e nos deliciar também”.

Para participar, envie seu texto para o e-mail nepfdcl@gmail.com. Para conhecer os textos de Flávio e de outros escritores, acesse http://nepfdcl.blogspot.com.br/.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Atos infracionais e a evolução das leis para crianças e adolescentes


Grande parte dos adolescentes que cumprem penas não teve um ensino de qualidade nem oportunidades de agir diferente, alguns são influenciados pelo meio em que vivem e outros convivem com o crime desde pequenos.

Os adolescentes infratores são penalizados por medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lá são descritas as formas em que criança e adolescente devem ser punidos, proporcionalmente, pelo ato infracional cometido e dispõe os direitos e deveres deste. Porém, o ECA surgiu em 13 de julho de 1990, antes disso existiam outras formas de penalizar as ações ilícitas cometidas por crianças e adolescente. O curioso é que por mais informação que se possua atualmente, com o decorrer dos séculos os crimes cometidos são sempre os mesmos, incluindo o preconceito para com as crianças órfãs e pobres.

Estudos mostram que na época da recém-instaurada República, crianças e adolescentes pobres começaram a ser identificados como bandidos que cometiam crimes de vadiagem, mendicância, prostituição, furtos e roubos.

Estatísticas policiais produzidas em 1904 e 1906 já contavam com a presença de 20% de crianças e adolescentes envolvidos em vadiagem, 17% em embriaguez e 16% em furtos e roubos. Nesta época, os adultos eram responsáveis por 93,1% dos homicídios, para 6,9% praticados por menores de 18 anos, porém em um século os números não obtiveram alterações significativas. Embora tenha ocorrido agravamento das desigualdades sociais e modificação no padrão da criminalidade violenta, dados recentes demonstram que no que diz respeito ao crime de homicídio, em todo o país, 90% são cometidos por maiores de 18 anos.

A intervenção do Estado sobre os atos criminosos praticados por crianças e adolescentes veio em 1920 com a primeira legislação e com o primeiro Juizado para menores. Quase um século antes, em 1890, o Código Penal Republicano inaugurou o conceito de menoridade, e o termo menor, veio a ter sua definição jurídica a partir de 1927 no Código de Menores.

O Código de Menores designou “menor” as crianças e adolescentes abandonados, pervertidos ou vulneráveis à criminalidade. A mentalidade dominante naquela época entendia que o abandono moral e material estaria a um passo do crime.

Os Códigos de Menores de 1927 e de 1979 não trouxeram grandes inovações. Já a Doutrina da Situação Irregular concebeu a vulnerabilidade ao perigo, que permitiu detenções arbitrárias e sumárias das crianças e adolescentes, e concedeu o mesmo tratamento para crianças e adolescentes órfãos, abandonados e infratores.  Além disso, permitiu a privação de liberdade de crianças e adolescentes em franca promiscuidade com presos adultos.

Em 1960, surgiram instituições para Recolhimento Provisório de Menores (RPM), precursoras das Unidades de Triagem e Atendimento Provisório (UAPS) da FEBEM/ SP, que surgiu em 1976 devido a ramificações estaduais e municipais vinculadas a FUNABEM. Esta que surge em 1º de dezembro de 1964, como instrumento político e de propaganda da ditadura militar, com atribuições de coordenar uma Política Nacional de Bem-Estar do Menor e foi incorporada como objetivo nacional, constando no manual da Escola Superior de Guerra.

No mês de julho do ano de 1990, depois de várias campanhas por parte da população e de defensores das crianças e dos adolescentes, surge o ECA, contendo dispositivos de prevenção e ressocialização de menores.

Em 2000, a FEBEM passou a se chamar Unidades de Internação Provisória (UIPS).

A FUNABEM/FEBEM funcionou em sintonia com a Lei de Segurança Nacional e utilizou-se da esfera médica, jurídica e pedagógica para exercer suas funções.

Referências:
Portal Viol@ção. Centro de Empoderamento e Proteção da Infância Brasileira – CEPIB. Disponível em: http://www.cepib.org
Acolhimento em rede. Um blog colaborativo. Disponível em: acolhimentoemrede.wordpress.com

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Lei da Palmada ou Palmada da Lei

No Brasil, o Projeto de Lei número 2.654/2003 tem por objetivo proibir os castigos físicos ou tratamentos cruéis ou degradantes na educação de crianças e adolescentes. Foi apresentado à Câmara dos Deputados em 2003 pela Deputada Maria do Rosário, PT-RS. Esse tema foi proposto, originalmente, pela Organização das Nações Unidas em decorrência da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovada em 20 de novembro de 1989. A imprensa apelidou esse projeto, chamando-o de “Lei da Palmada”.
Esse projeto consiste nas seguintes mudanças:
Art. 1º – São acrescentados à Lei 8069, de 13/07/1990, os seguintes artigos:
Art. 18A – A criança e o adolescente têm direito a não serem submetidos a qualquer forma de punição corporal, mediante a adoção de castigos moderados ou imoderados, sob a alegação de quaisquer propósitos, no lar, na escola, em instituição de atendimento público ou privado ou em locais públicos.
Parágrafo único – Para efeito deste artigo será conferida especial proteção à situação de vulnerabilidade à violência que a criança e o adolescente possam sofrer em conseqüência, entre outras, de sua raça, etnia, gênero ou situação sócio-econômica.
Art. 18B – Verificada a hipótese de punição corporal em face de criança ou adolescente, sob a alegação de quaisquer propósitos, ainda que pedagógicos, os pais, professores ou responsáveis ficarão sujeitos às medidas previstas no artigo 129, incisos I, III, IV e VI desta lei, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
Art. 18 D – Cabe ao Estado, com a participação da sociedade:
I. Estimular ações educativas continuadas destinadas a conscientizar o público sobre a ilicitude do uso da violência contra criança e adolescente, ainda que sob a alegação de propósitos pedagógicos;
II.Divulgar instrumentos nacionais e internacionais de proteção dos direitos da criança e do adolescente;
III.Promover reformas curriculares, com vistas a introduzir disciplinas voltadas à proteção dos direitos da criança e do adolescente, nos termos dos artigos 27 e 35, da Lei 9394, de 20/12/1996 e do artigo 1º da Lei 5692, de 11/08/1971, ou a introduzir no currículo do ensino básico e médio um tema transversal referente aos direitos da criança, nos moldes dos Parâmetros Curriculares Nacionais.
Art. 2º – O artigo 1634 da Lei 10.406, de 10/01/2002 (novo Código Civil), passa a ter seguinte redação:
“Art. 1634 – Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
VII. Exigir, sem o uso de força física, moderada ou imoderada, que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
Art. 3º – Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.
A lei da Palmada gerou muita polêmica em vários setores da sociedade brasileira devido ao costume arraigado, aceitação cultural, do uso de castigos físicos a crianças e adolescentes. Essa mentalidade decorre da defesa de um poder familiar e da citação bíblica ao “uso da vara” na educação, fundamentada no Velho Testamento: "Não retires a disciplina da criança; pois se a fustigares com a vara, nem por isso morrerá." (Provérbios 23:13). Em contraposição, têm-se aqueles que argumentam que esse projeto diz respeito única e exclusivamente à proibição da violência contra a criança.
No Brasil, antes da chegada dos portugueses, os índios não tinham o costume de castigar fisicamente às crianças. Vários são os relatos de padres no início da colonização, os quais revelam que, entre os indígenas, nem o pai nem a mãe agrediam seus filhos. Essa forma de disciplinar as crianças foi introduzida no Brasil pelos portugueses, jesuítas e capuchinhos.
Esse assunto começou a ser discutido na década de 30 por educadores, psicólogos e psiquiatras na Suécia. Logo após a Segunda Guerra Mundial, fortaleceram-se os debates acerca dos efeitos do uso da violência contra as crianças. Nessa época os professores usavam a punição corporal para manter a ordem nas escolas. Somente depois de inúmeras discussões essa prática foi proibida nas instituições de ensino em 1958.
A Suécia foi o primeiro país a adotar uma lei contra o uso de castigos corporais em crianças e adolescentes, em 1979. Em seguida vieram a Áustria, Dinamarca, Noruega e Alemanha. Atualmente 30 países coíbem essa prática:
 Alemanha(2000); Áustria(1989);Bulgária(2000); Chipre(1994); CostaRica(2008);Croácia(1999); Dinamarca(1997); Espanha(2007);Finlândia(1983); Grécia(2006);Hungria(2005); Islândia(2003); Israel(2000); Letónia (1998);Listenstaine(2008); Luxemburgo(2008); Noruega(1987); NovaZelândia(2007);Polônia(2010); Portugal(2007); RepúblicadeMoldávia(2008); Romênia(2004);
 Suécia(1979); Tunísia(2010); Ucrânia(2004); Uruguai(2007); Venezuela(2007); Itália (2006)*; Nepal (2002)*.
Deve-se evidenciar que a “Lei da Palmada” retomou dilemas históricos do Direito no que se trata de uma intervenção indevida do Estado na vida familiar e aos limites da legislação. O Professor da Faculdade de Direito da USP, Alysson Leandro Mascaro, defende essa lei com os seguintes argumentos:
“Toda vez que o direito toca em questões que incomodam os costumes arraigados, levanta-se uma polêmica sobre os limites da legislação em face da cultura e das práticas socialmente estabelecidas. Alguns consideram que o direito não pode interferir em questões íntimas da relação familiar, como a educação que os pais dão para os filhos. Para um certo senso médio estabelecido atualmente, é normal e mesmo justo algum ato de violência corporal em benefício da educação das crianças. Pelo mesmo senso comum, não é ruim que o filho comece a trabalhar ainda criança e, a julgar por uma determinada opinião pública, a penalização de adolescentes deve ser aceita. Reforçando esses argumentos está até mesmo a tradição. Os atuais pais assim foram educados pelos seus pais. Mas, em todos esses casos, o direito contemporâneo tem se insurgido contra o senso comum: o Estatuto da Criança e do Adolescente e as normas jurídicas correlatas ao tema claramente avançam em relação à opinião média.
Não há nada de juridicamente insólito em tal avanço. O direito nunca se constitui como exata expressão da opinião média. O Estado, por meio do Poder Legislativo, embora espelhe um horizonte político da sociedade ao momento da escolha dos representantes, recebe do povo, dentro de determinadas balizas normativas, um poder soberano de legislar, e isso a favor ou mesmo contra o senso comum. Vejamos a história dos últimos séculos: o direito nas sociedades contemporâneas se estabeleceu contra muitas relações sociais arraigadas. No campo político, a tradição e a cultura eram absolutistas, e o direito organizou a moderna democracia. No campo penal, o direito é contra a lei de talião e proíbe a pena de morte, e talvez a vontade histórica direta do povo não fosse redundar, por si só, em tais normativas estatais. Mas também se dá o inverso: a multidão de despossuídos dos meios de produção encontra no direito uma barreira contra a sua libertação e sua auto-afirmação. O capitalismo se estrutura também por meio das normas jurídicas, garantido pela defesa estatal da propriedade privada. A fome de muitos, na história, foi legitimada juridicamente. E da mesma maneira como o direito não se afirmou como uma opinião média do povo no plano econômico, também assim não se limita no campo dos costumes sociais.
O Estado perpassa todos os recônditos da vida social contemporânea. Ao pensamento conservador, quando se trata da proteção ao capital, o direito deve ser tido como sagrado. Mas se o direito avança no plano político, econômico ou social, deve então ser contido. Trata-se de uma contradição no uso do direito. O discurso que quer manter a violência contra a criança e o adolescente, sob o argumento de que os costumes sociais assim o são, permitiria dizer que anos a fio de luta libertária do povo, quando contra a exploração econômica e política, fariam um costume válido, ainda que distinto das proibições jurídicas estatais. Mas isso não se afirma. O conservadorismo se apóia nas leis, desde que elas confirmem a conservação: a hipocrisia do pensamento jurídico variável conforme a ocasião reside no fato de que o papel do direito tem sido aceito para reiterar a reprodução das explorações, mas tem sido rechaçado para a evolução das relações sociais.”
Nesse sentido o filósofo Paulo Ghiraldelli Jr. aduz:
“Talvez num futuro próximo, possamos criar um bom tabu quanto a se levantar a mão contra uma criança nos lares brasileiros e, então, haveremos de até rir desse projeto de lei. Poderemos lê-lo e, então dizer, nossa, veja só, éramos tão bárbaros em 2010 que até tivemos de fazer uma lei para que nós mesmos não batêssemos em nossos filhos. Podemos evoluir de um modo a estranhar essa lei de hoje tanto quanto estranhamos que, no início do século XX, a vacina obrigatória, ministrada pelo Estado, tenha causado uma verdadeira revolta, uma rebelião de rua até com conotação política.”
De acordo com o Manual para sensibilização de pais, mães e cuidadores de crianças publicado pela Pro mundo, Organização Não Governamental (ONG), pesquisas e a experiência prática mostram que entre os possíveis efeitos dos castigos físicos e humilhantes, nas crianças, estão:
• comprometem a sua auto-estima, gerando um sentimento de pouca valia e expectativas negativas ao seu próprio respeito.
• ensina-lhes a serem vítimas. Ao contrário de uma crença bastante disseminada de que os castigos fazem as crianças “mais fortes” porque as “prepara para a vida”, sabemos que não apenas não as tornam mais fortes, mas as tornam mais vulneráveis a converterem-se repetidamente em vitimas em diferentes situações e relações.    
• interferem em seu processo de aprendizagem e no desenvolvimento de sua inteligência, seus sentidos e emoções.
• sentem solidão, tristeza e abandono.
• incorporam uma visão negativa das pessoas e da sociedade como um lugar ameaçador ao seu modo de ver a vida.
• criam uma barreira que impede ou dificulta a comunicação com seus pais, mães ou cuidadores e prejudica os vínculos emocionais estabelecidos entre eles.
• fazem sentir raiva e vontade de fugir de casa.
• produzem mais violência. Ensinam que a violência é um modo adequado de se resolver os problemas e conflitos.
• podem apresentar dificuldade de integração social.
• não aprendem a cooperar com as figuras de autoridade, aprendem somente a obedecer às normas ou a transgredi-las.
Ainda de acordo com tal ONG,depoimentos de crianças sobre o que pensam e sentem sobre os castigos que sofrem:
“Realmente gostaria de querer bem meus pais, mas não posso. eles me batem muito.” (Menino, Camarões).
“Não é justo porque nascemos para ser amados e felizes e não para que nos agridam.” (Menina, Costa Rica).
“Os adultos batem nas crianças, mas por que as crianças não batem nos adultos? Porque eles são maiores (grandes) e nós somos pequenos.” (Menina, Irlanda do Norte).
“Não gosto muito do meu pai não, porque ele adora me bater. Eu era a preferida para apanhar dele.” (Criança brasileira, contexto rural).
“Eu acho que os pais devem ter paciência com os filhos e não bater logo, e conversar com eles é melhor do que espancar, esta pode ser uma maneira de ensinar o melhor para não ensinar o caminho da maldade.” (Criança mexicana, contexto rural).
Rachel Niskier, coordenadora de campanhas da Sociedade Brasileira de Pediatria, afirma não conhecer nenhuma pesquisa, estudo ou publicação que tenha, até hoje, provado que bater educa. “O que bater faz? Seja ‘palmadinha’, beliscão ou surra, atemoriza a criança. Provoca medo e raiva. Naquele momento ela pára porque ela se sente menor, mais fraca”. 
Em sentido contrário, Denilson Cardoso de Araújo, serventuário do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e autor da obra “ECA PARA FAZER ECO – Crônicas e Estudos sobre a Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente)”, reitera:

“(...) saindo a Lei da Palmada, se agravará a situação de filhos malcriados que se tornam alunos indisciplinados que passam a violentos, e enlouquecem escolas. Da Áustria, que instituiu antes lei similar, vem o alerta. O psiquiatra alemão Michael Winterhoff visitou o exasperado Sindicato dos Professores de Viena e concluiu, a um jornal austríaco que crianças não respeitam professores, não tem noção nas conseqüências de seus atos, por isso brigam pelos corredores, sendo necessário regras de educação mais severas, a partir do lar. (...). Da indisciplina e violência escolar para a o ato infracional é um pulo. Se abolida a necessária palmada parental, nos restará aguardar, então, a dura educação dos cassetetes policiais. Mais produtivo seria fazer uma Lei do Almoço Dominical, que ressuscitasse a finada cerimônia familiar tão educativa e saudável.”

 Além dessas diversas posições extremistas, IGNEZ MARTINS TOLLINI - Doutora em Educação pela Universidade de Londres, professora da Faculdade de Educação daUnB e autora do livro Estado e Educação Fundamental, pondera:

““Nos anos 60, um pediatra americano, doutor Benjamin Spock, lançava um livro ‘‘bíblia’’ para a educação das crianças da época. Nele, o médico defendia a educação da ‘‘liberdade com responsabilidade’’. Foi uma surpresa quando, na década seguinte, o próprio dr. Spock confessou sua tristeza ao constatar a má interpretação dos conselhos de seu livro. Lamentava que pais e mestres tivessem entendido ser correto não contrariar as crianças e adolescentes. Disse, também, não haver condenado a palmada ou o castigo bem dados. Para ele, a geração educada sem disciplina e responsabilidade tinha se tornado apática. Referia-se aos jovens hippies e sua nova cultura esvaziada dos valores da cultura estabelecida — o establishment —, na sociedade americana.
Hoje, 30 anos depois, tudo indica que não é um mal-entendido que motiva a anunciada declaração da psicóloga brasileira. É mais do que isso. As verdadeiras razões não são difíceis de serem verificadas. Se no passado os extremos da severidade desvirtuaram o sentido de disciplina na educação dos jovens, hoje os extremos da condescendência, ou a omissão, desvirtuaram o sentido da dedicação e do amor. O resultado desses extremos talvez explique os eventos criminosos ocorridos recentemente nas famílias e na sociedade, tendo jovens como protagonistas.
O empenho de educadores e psicólogos em desvendar essa tragédia social é justo e necessário. Nota-se que os jovens estão pedindo atenção, direção e mesmo um ‘‘não’’ de seus pais e mestres. No entanto, freqüentemente, encontram a indiferença e a ausência de orientação. Penso eu que a solução não será nem a volta da disciplina do passado nem a continuação da ‘‘liberalidade’’ do presente. Teremos que encontrar a mistura renovada de disciplina e amor tendo como base que o entendimento que disciplina é amor, um amor exigente. ””

Adriana Grossi Dornelas e Jéssica M. V. Coelho

Referências Bibliográficas
·        Deputada Maria do Rosário. Disponível em: http://www.conjur.com.br/dl/projeto-lei-2654-deputada-maria-rosario.pdf
·        Deputada Teresa Surita. Disponível em: http://www.jornaldocampus.usp.br
·        Revista Crescer. Disponível em: http://revistacrescer.globo.com
·        End all Corporal Punishment of Children .Diisponívelem: http://www.endcorporalpunishment.org/pages/frame.html.

·         Secom. UNB. Disponível em: http://www.secom.unb.br/unbcliping/cp030519-06.htm