Para os direitos da
criança e do adolescente progredir até os tempos atuais, com o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), não foi questão fácil. O ECA nasceu em 13 de
julho de 1990, e o Brasil foi o primeiro país a editar uma lei especial para a proteção
integral da criança e do adolescente na América Latina, mas antes disso, os
direitos dos infantis rastejavam, evoluindo sempre em constante desvantagem em
relação aos direitos fundamentais do homem.
Como constata na
história, a criança e o adolescente não passavam de servos do poder patriarcal,
como visto no oriente antigo, até mesmo nas primeiras leis codificadas pelo
homem, percebe-se a grande desvantagem entre as penas aplicadas aos jovens de
idade inferior e as penas aplicadas aos adultos, por exemplo, se o pai dormisse
com sua filha era expulso da cidade, essa pena era forte no sentido da
necessidade da prática do culto doméstico. Inicialmente, as pessoas eram tão
presas à religião que a expulsão da cidade se caracterizava como a pior das
penas, pois o individuo era obrigado a se separar do altar e dos túmulos de
seus ancestrais, essenciais a prática da cerimônia religiosa. Continuando, em
contra partida, se uma criança ou adolescente[i]
adotado ousasse voltar à casa dos pais biológicos teria como pena a extração de
seus olhos, ou ainda, se batesse nos pais, sua mão era decepada. Antes da
formação das cidades e pouco depois daquela, o pai, chefe da família, detinha o
poder absoluto de julgar os membros desta, além de decidir pela aplicação das
penas, isso mostra o total desamparo jurídico da época.
Em Roma, por volta do
ano 449 a. C., a Lei das XII Tábuas permitia ao pai, mediante cinco
testemunhas, matar o filho que nascesse disforme ou com alguma deficiência.
Amparado pela mesma Lei, o pai possuía o poder de vida e morte sobre o filho,
inclusive, o poder de venda do mesmo.
Em Esparta não era
muito diferente, porém, lá ainda havia um “plus”, este no sentido de que a
cidade considerava essencial e de extrema obrigatoriedade que todos os cidadãos
fossem treinados como soldados, logo, o treinamento se iniciava aos sete anos
de idade, quando os meninos eram enviados aos arredores da cidade, sem roupas,
para que sobrevivessem sozinhos. Para conseguir comida, as crianças tinham que
lutar com animais e entre si, a “agogê”, como era chamado, duravam-se treze
anos e era dividido em ciclos, e no último deles, os espartanos, perto dos 20
anos, considerados subcidadãos e agora seminus, realizavam trabalhos em favor
da comunidade, além de, prosseguirem, em horários alternados, com o treinamento
militar, que regulava a quantidade de comida a eles fornecida com o intuito de
os deixarem famintos e os forçarem a roubar[ii],
entretanto se fossem pegos roubando eram chicoteados em público.
Na Idade Média assim
que a criança tivesse condições de sobreviver, no sentido restrito da palavra,
ela era integrada ao mundo e considerada um jovem adulto, que possuía ofício e
era penalizada da mesma forma que qualquer outra pessoa não importando sua
idade. A infância era ignorada, não tinha sentimento de respeito pela criança e
não se acreditava em sua inocência, sendo tratada com liberdades grosseiras e
brincadeiras indecentes, além disso, em casas que se tinha apenas uma cama e
todos da família a compartilhavam, figurava-se a participação ativa da infante na
sexualidade de seus pais. Todavia, no mesmo período, perceberam-se pequenas
mudanças como a aquisição da Igreja Católica do encargo da educação dada aos
jovens de até 15 anos. Dentro dos mosteiros se ensinava latim, doutrinas
religiosas e táticas de guerra àqueles pertencentes a famílias com poder
aquisitivo. Além disso, encontra-se em códigos jurídicos datados da Alta Idade
Média uma faísca em defesa da criança, por exemplo, na Regra de São Bento, que
descrevia a diligência na disciplina e pregava, entre outras coisas, o
tratamento diferenciado ao menor de 15 anos de idade, além da premissa de que
nenhum jovem deveria apanhar sem motivo algum.
Já na Idade Moderna, perceberam-se
vestígios do sentimento para com a infância, primeiro como sendo esta a fonte
de entretenimento dos pais e anos mais tarde, com o surgimento do “retrato de
família”, relacionado àquela com a situação de pessoa em fase prematura e de
desenvolvimento. Sobretudo no século XVII, a criança até os sete anos de idade
era tratada como o centro das atenções, entretanto a partir daí era
responsabilizada como se adulta fosse, passava a ser vista e cobrada como a
continuação de sua família e da sociedade, sendo por isso, sujeita a castigos
físicos e a espancamentos inventados para moldá-la para o convívio social. No
entanto, esta intenção de treinar a criança, que era vista quase como um
patrimônio, para a idade adulta foi responsável pela morte de metade das
pessoas em Londres nos anos entre 1730 e 1779, todas elas, com menos de cinco
anos de idade.
[i] Vale a pena deixar claro que, até a idade
contemporânea, não havia essa distinção.
[ii] A prática do furto para alimentar-se era
extremamente necessária durante as guerras longas.
[iii] Com os movimentos articulados em 1986,
apresentaram-se duas emendas ao Congresso Constituinte: uma intitulada “Criança
e Constituinte” e outra, “Criança: prioridade nacional”- ambas de iniciativa
popular, com mais de duzentas mil assinaturas de eleitores de todo o País. Os
textos foram fundidos e se transformaram nos arts. 204 e 227 da Constituição
Federal, que obtiveram 435 votos a favor e oito contra.
Jéssica Mayara V. Coelho
jesmay8@rocketmail.com
Jéssica Mayara V. Coelho
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