Talentos FDCL

Se você gosta de escrever ou então de ler um bom texto, agora você tem um novo espaço para isso. O Núcleo de Extensão e Pesquisa da Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete abriu as portas para quem quiser publicar seus trabalhos. O “Talentos FDCL” é um espaço no blog do NEP onde são publicados crônicas, poesias, contos e artigos não científicos.

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Estocolmo (terceira parte)

Eu olhava fixamente pra porta. O bandido havia me sugerido que talvez algumas existências não fizessem sentido. Se eu estava adaptado ao politicamente correto, ele apenas se encontrava à margem. Certamente também fora vítima de algum tipo de adaptação, alguma modelagem deve tê-lo forjado. Talvez todos nós estivéssemos vivendo certa forma de crise, sendo afetados por um mal altamente abrangente, uma síndrome. Não desaprendemos a aplaudir... “Venham e façam como quiserem, sempre haverá um aplauso guardado”, sempre haverá um sorriso pra desculpar qualquer que seja a atrocidade cometida. Mantemo-nos reféns de um sistema no qual acreditamos sem ver, as palmas vêm depois e, no fim, a aceitação completa. Hienas.

Havia uma confusão a ser resolvida ali. E se fossem meus últimos instantes? Sentado numa poltrona velha, com uma arma em cada mão e tomado pelo frenesi. Eu não poderia simplesmente sair daquela casa, algo mais deveria acontecer comigo e com eles. Levantei-me e fui novamente até a janela. Ainda não haviam chegado. Me aproximei do corpo no chão e  pensei em atirar. Se estivesse apenas desmaiado iria se levantar e de repente haveria três contra um novamente.

Apontei-lhe a arma. Há tempos não erguia uma dessas... Mas a sensação continuava muito boa. Bastava puxar o gatilho pra tirar o problema do caminho. Mirei na testa do sujeito no chão. Foi quando ouvi o barulho da porta de um carro bater do lado de fora da casa. Chegaram. Corri pra trás do sofá que estava colocado na sala e me posicionei apontando as duas armas para a porta de entrada da casa. O primeiro que aparecesse levaria logo duas balas, pensei. O ideal seria conseguir esperar até que ambos estivessem no meu raio de alcance, com os dois feridos seria mais fácil.

Falaram em sair pra buscar armamentos; não sabia o que poderiam estar portando; talvez armas de alto calibre. Tentar escapar pode ter sido um erro. Mas afinal, qual o tamanho do risco que eu corria? Não havia outro modo de fazer desanuviar. Devia me acalmar e atirar neles. Quando se recuassem pra se esconder dos tiros, eu recarregaria as armas e atiraria novamente, esse era o plano. Considerando a situação, era razoável.

A maçaneta da porta girou e percebi que haviam entrado na casa, permaneci atrás do sofá, com os indicadores nos gatilhos das armas. Eles conversavam, falavam algo sobre terminar logo aquela situação a qual já sentiam dificuldade pra sustentar. Arrastei-me devagar por trás do sofá, deitado, tentando encontrá-los e por consequência mirá-los. Engraçado eles não terem cogitado que eu poderia me livrar. Talvez eles tenham me subestimado ou a minha situação fosse mesmo muito improvável.

Finalmente pude vê-los. Estiquei os dois braços e dei dois tiros, um em cada. Xeque. Um dos disparos acertou a região abdominal de um dos sujeitos, que caiu no mesmo momento, gritando de dor e sem forças pra sequer se arrastar. A segunda bala acertou a perna do outro, que também caiu gritando. Assim que disparei, me levantei rapidamente e impedi que o bandido que levou o tiro na perna pegasse o revólver que guardava em seu coldre.

O sujeito do tiro no abdome parecia não conseguir nem pensar. Aparentemente era uma dor insuportável. Pros meus ouvidos os gritos soavam como melodias. Era isso o que fariam comigo, afinal. O mesmo que fizeram com a garota do banco que teve seus pedaços espalhados pelo piso. Isso é o que esses sujeitos fariam com todos os que encontrassem pela frente. Eles gostavam do sabor do sangue, e por isso o espalhariam por onde passassem. Como eram cruéis!

Os dois estavam no chão. O que tinha o ferimento na perna me olhava enquanto tentava estancar o sangue da perna; o outro agonizava. Eu me sentia uma espécie de justiceiro. Fiz mais do que qualquer um que exige que o Estado se posicione tirando a vida dos bandidos. Eu mesmo daria àqueles dois o que mereciam. Não me esconderia atrás de nada, pedindo que os matassem por mim. Tiraria deles cada instante de vida que poderia vir. O sangue estava espalhado pelo chão e os gritos eram ensurdecedores. Um deles já estava morrendo.

Não conseguia parar de olhar o cenário que havia ajudado a criar. Finalmente recarreguei a pistola e encostei o cano na cabeça do sujeito que ainda estava consciente e lhe sorri. Eu era a sociedade devolvendo a ele todo o mal que representava. Meu dedo estava no gatilho. Disparei. Levantei-me e fui até o outro. Mais uma vez recarreguei minha arma, apontei pra cabeça dele e atirei. Tudo estava terminado. Me sentia seguro, mas o que viria depois dali? Eu não voltaria pra vida de antes. Não poderia. Saí da cabana e me sentei na varanda. Eu não pararia ali, tendo limpado a cidade apenas desses três sujeitos. Agora viria o sentido de tudo. Senti uma brisa acariciar o meu rosto.

Sérgio Luna
Ex-aluno da FDCL
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Estocolmo (segunda parte)

Acordei com a visão embaçada e vi o teto do que parecia ser uma casa velha. Ao meu lado estava o sujeito que foi feito de refém junto comigo no banco, aparentemente desmaiado ou morto, não tive certeza; ele estava caído com o rosto virado pro chão. Tentei mover as mãos e percebi que elas estavam amarradas pelo que parecia ser uma corda. Eu estava sentado no chão, não via nenhum dos bandidos no pequeno cômodo onde estávamos mas ouvia o rádio  ligado em outro lugar da casa.

Sentia-me estranhamente calmo. Talvez aquele instante em que acordei tenha sido o meu ponto de transição. Percebi que não devia me preocupar com a morte. Ela viria mesmo, de um jeito ou de outro. A minha morte sairia nos jornais, seria enfeitada pelas pinceladas da mídia e ganharia aspecto ainda mais trágico por conta do clamor popular por justiça, “Vocês ouviram a história do cara do banco que foi sequestrado e assassinado numa casinha no meio do nada? Não dá mais pra viver nessa insegurança. As autoridades têm de fazer alguma coisa, mudar algo, como podemos viver num país onde as leis são feitas pra beneficiar os bandidos?”, esse seria o discurso.

Não sei até que ponto seria um discurso de indignação pelo que houve comigo. As pessoas que estavam no banco no momento do assalto certamente se sentiriam com sorte pelo fato de os ladrões terem levado a mim em vez delas. O contexto no qual eu estava inserido me fazia sentir uma frustração profunda diante da estrutura de possibilidades que a vida oferecia. Por que motivo era permitido a um homem tirar a vida de outro?

Os três bandidos entraram. Dois ficaram perto da porta enquanto um se aproximou de mim carregando uma arma de pequeno porte. Coçou a cabeça com o revólver, “Até que enfim, bela adormecida. Você é um homem de sorte, sabia?”, ele se aproximou do outro refém, o que estava caído, e o empurrou com o pé, de modo que seu corpo girasse e seu rosto ficasse visível. Havia um buraco de bala no meio da testa dele. O sujeito se abaixou perto de mim e disse, “Olha, você vai morrer hoje. E pra mim vai ser um prazer poder te livrar dessa vida horrível que você leva. Pra onde você tem corrido? Você ainda é importante pra nós. Um refém sempre deixa a polícia mais cautelosa”. Outro bandido disse, “Vamos buscar o resto do armamento?”, “Sim”, respondeu. Os três se aproximaram da porta. Eles falavam que dois deles iriam a um local próximo buscar algumas armas e munição, enquanto um esperaria na casa. Saíram do cômodo.

Passados alguns minutos, notei que atrás do corpo do outro refém, havia um móvel de metal, com uma quina que parecia ser cortante, o que poderia me livrar da corda. Me arrastei até perto dele, fiquei de costas pro móvel e comecei a danificar a corda. Estava dando certo. Depois de algum esforço, me vi livre. Estiquei os braços e girei os pulsos. Estava de pé. O que fazer agora? Será que os dois já saíram, como combinaram? Não tenho chances contra todos eles. Na verdade, mesmo que seja apenas um, ele me matará se me vir e estiver armado.

Voltei a sentir medo. Sentia-me como se a circulação do meu sangue estivesse concentrada nos punhos. Não tenho escolha. Estiquei o pescoço para ver o que havia depois da porta do cômodo. Avistei um dos assaltantes sentado numa poltrona, de costas pra mim, provavelmente a apreciar a música que tocava no rádio. Eu conhecia a canção. “Directions”, do Miles Davis.

Voltei até o cômodo e peguei a corda da qual havia me livrado. Me aproximei devagar e passei a corda por seu pescoço. Ele se desesperou. Eu me garanti de que a corda estava firme e não soltaria. O ladrão se debatia e tentava me dar socos, tentando se soltar da corda com a qual eu o enforcava. Ele estava completamente sufocado. Aos poucos sua força diminuiu, até parar. Continuei por mais algum tempo, completamente fora de mim, arrebatado pela vontade de vê-lo se esvair. Ele estava morto. Havia duas armas sobre a mesa. Verifiquei os tambores, quatro balas em uma e seis na outra. Sentei-me no sofá e notei a gota fria de suor que descia pela minha testa. Mais uma vez, eu estava calmo. Segurei as duas armas, uma em cada mão e cheguei perto da janela. Ainda não havia sinal dos outros dois.

Sérgio Luna
Ex-aluno da FDCL
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Estocolmo (primeira parte)

Tudo começou num dia como outro qualquer, eu cheguei ao trabalho às sete horas e já eram quase dez e meia da manhã. Dia quente. Uma gota de suor escorreu pela minha sobrancelha, passei a mão sobre ela e também pela testa. Eu suava desconfortavelmente. Recostei-me em minha cadeira e cruzei as mãos por trás do pescoço, estiquei as pernas e alonguei as costas, olhando pra cima. Me lembro de que era um dia em que eu tinha muito o que fazer.

O trabalho de gerente de banco tem lá as suas nuances, ainda mais numa cidade de interior. Talvez você compreenda um pouco. O problema é quando o empregado não se sente bem trabalhando ali e faz tudo com aquele ar de “se der errado eu não tenho nada a perder”. Passei maus bocados com uns tipos assim. Mas aquele pessoal era mais tranquilo, existia um respeito recíproco entre nós e a coisa fluía.

Me levantei da cadeira e fui ao banheiro urinar. Às vezes me canso. Por mais que eu tente me satisfazer com a rotina, tem sempre essa coisa me devorando o estômago. Escorei a mão na parede. Enquanto estava ao som da descarga, ouvi um barulho muito alto do que parecia ser um tiro. Não entendi nada, mas o instinto de animal acuado que me acompanhava na época fez com que eu encolhesse meu corpo e me encostasse-se à parede.

Alguém chutou a porta do banheiro. Puta que o pariu. Que gritaria era aquela? Nunca havia participado de um assalto e não esperava ter de passar por essa experiência. “Abre a da porta, se não vou meter bala!”, ouvi uma voz logo atrás da porta gritar. Encolhi-me mais ainda, tentando sair ao máximo do alcance dos lugares de onde imaginei que as balas viriam. É tudo muito rápido, você se comporta de um jeito completamente novo numa situação desse tipo; quando se dá conta já está quase virando do avesso pra tentar se esconder. Instinto de sobrevivência, condição humana, sei lá.

Um tiro passou pela maçaneta da porta e depois uma pancada a jogou contra o meu rosto, ela acertou direto no meu nariz e eu o senti latejar forte, o sangue escorreu. Um sujeito vestido de preto e com o rosto encapuzado entrou pelo banheiro empunhando uma arma de grande porte. Olhou na minha direção e a apontou para a minha cabeça, “sai daí” ele disse, depois me chutou a perna e bateu com o cabo da arma contra o meu rosto. Senti a face latejar mais uma vez.

Fui saindo do banheiro rapidamente, cambaleante e já totalmente desesperado. Então é assim que a minha existência acaba? Num dia de trabalho, um ladrão vem, me aponta a arma, explode minha cabeça e mostra meus miolos pra um monte de gente? Se ele resolver atirar, tudo estará acabado. O quanto planejei pra que minha vida chegasse a este ponto! Olhei ao meu redor. Havia famílias, casais, etc., feitos de reféns, todos me olhavam com expectativa. O sujeito encapuzado veio pra cima de mim e me chutou o rosto. Senti um dente se desprender da minha boca. Ele se aproximou mais e me bateu com o cabo da arma. Tudo escureceu.

Acordei vendo tudo rodar. Eu estava amarrado, junto de várias outras pessoas. Do meu lado havia uma moça, ela trabalhava com a gente e devia ter uns 20 anos. Estava com o rosto inchado de chorar. Parecia pressentir. É quase inacreditável a maneira como o medo invade o semblante das pessoas. Todos os reféns daquele lugar estavam apavorados.

Tentei encontrar algum dos assaltantes, quando finalmente vi um deles caminhando perto do balcão, checando os reféns. Eu ouvia sirenes do lado de fora do banco. Porque não podemos simplesmente entregar o dinheiro e deixá-los ir embora? A polícia pode piorar fatalmente esse tipo de situação se tentar entrar. O bandido veio até perto de nós com uma garrafa de água e alguns copos descartáveis. Desamarrou a menina ao meu lado e disse a ela que desse água aos reféns. Naquele momento, essa atitude dele me pareceu extremamente humana. Eu tinha realmente muita sede e o alívio que veio foi fascinante. Confesso que isso quase me fez gostar daqueles sujeitos que tinham minha vida nas mãos. Como se mede o tamanho do perigo?

Meu senso de probabilidade titubeava. Nós que trabalhávamos no banco sabíamos que havia uma saída alternativa. Você entrava pelo corredor dos banheiros e subia uma escada que dava numa espécie de sótão, de lá você poderia chegar ao telhado e consequentemente numa escada que o faria sair do prédio. Notei que uma jovem sempre olhava na direção do corredor. Com certeza estava pensando nisso. Ela se fez de exausta por certo tempo e quando o bandido tomou alguma distância, correu em direção ao corredor. Ainda em seus primeiros passos, o ladrão a percebeu e atirou. Acertou o ombro. Os gritos de dor eram ensurdecedores, realmente uma melodia muito difícil de esquecer. Ele chegou perto dela. “Você queria fugir, princesa? Não vê que fui bom pra você? É assim que me retribui, então. Você servirá de exemplo aos que ainda estão aqui”. Ele olhou em nossa direção. Guiou o olhar de volta pra moça e apontou a arma em sua cabeça. Atirou. O chão do banco se pintou de vermelho e estava decorado de sangue e pedaços de cérebro. Todos gritaram e se amedrontaram ainda mais. Meu Deus.

Outro assaltante veio e disse ao que estava próximo a mim “Vamos, o nosso carro chegou. Pega aí uns dois reféns, com certeza a polícia já deve estar armando o cerco aqui perto”. Ele veio, olhou rápido e disse para eu me levantar; fez o mesmo com outro sujeito que estava ali. Ele segurou meu braço e apontou a arma pra minha cabeça. “Escuta, se você tentar qualquer coisa, vai se encontrar com Deus daqui a pouco”. Percebi que eram três assaltantes. Eu ia à frente com um deles, um no meio com uma sacola de dinheiro e outro atrás, com outro refém.


Quando saí pude ver que estávamos cercados pela polícia. Eles me guiaram até um carro. Entramos e em pouco tempo tomamos distância. Dois deles foram nos bancos da frente, enquanto eu e o outro refém íamos no banco de trás na companhia de outro assaltante, que apontava uma calibre 12 para nossas cabeças. O carro se afastava do banco. O assaltante mais próximo a nós tirou a máscara e nos olhou. Sorriu logo antes de dizer: “Em qual deles eu atiro primeiro?”.

Sérgio Luna
Ex-aluno da FDCL

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Outubro Rosa


Tentei apagar os tons de cinza que insistiam em tomar o desenho feminino do corpo que era minha propriedade.
Quanta ilusão!
O rosa firme, vibrante, colorido em tons gritantes, estava ali sendo pressionado, amassado, descaracterizado.
Desbotou.
A dor que tomava o corpo era minúscula quando a media na alma, era o corpo que acamava.
Lutar contra o parasita que morava em mim e, pouco a pouco destruía o que me mantinha de pé era complexo.
Primeiro tomou-me o sossego,
Depois me encheu de medo.
Ressuscitou.
Matou minhas células, outras que vinham, ele abortou.
Levou meus cabelos e nem era um vento, me esvoaçou.
Trouxe enjoos, mal estar, desânimo e minha boca secou.
Tirou minhas reservas e o brilho dos meus olhos levou.
E, quando não mais aguentava, quando ao sorrir eu chorava, quando o rosa era um quase nada, o meu corpo o rejeitou.
Despediu sem medo era justa causa. Fez isso sem dor.
Era o fim de uma luta contínua que o meu corpo recompensou.
Reconstruí cada laço e me dei um abraço: A luta terminou.
Colori de rosa tudo que em mim sobrou.
Enfim, a ferida fechou.
E a esperança?

Ficou...


Mônica Cordeiro
Ex-aluna da FDCL
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Bueno (segunda parte)

Era uma felicidade enorme poder acordar todos os dias sabendo que havia alguém ao seu lado. Já havia muito tempo compartilhado e as vidas estavam entrelaçadas. Já havia um só destino. Para Bueno, o sorriso de Júlia representava a eternidade, representava estar onde ele nunca esteve. "O que esperar do amor?", ele se perguntava. Bueno sentia o cheiro da vida em Júlia, sentia a felicidade de quem finalmente se separou da solidão. Ele já não precisava desgastar-se tanto com o trabalho ou com pequenas preocupações, pois este espaço já estava preenchido. Bueno via Júlia acordar pela manhã, levantar-se da cama e caminhar graciosamente até a cozinha. Depois de dois anos morando com Júlia, Bueno tinha certeza: estava diante de um anjo.

Bueno saía para trabalhar todos os dias às oito e meia. Tudo ia bem no trabalho, ele era guiado por uma leveza que nunca havia sentido. Júlia não acordava em horários certos, os dias de ensaio eram alternados e geralmente marcados em cima da hora. Almoçavam juntos no japonês ou no vegetariano e depois se despediam para trabalhar. Se ajudavam. Dividiam a vida, cada um cuidando da própria parte e também da parte do outro.

Júlia tinha 27 anos e os olhos castanhos mais incomuns do mundo. Gostava de teatro e fotografia, gostava de conhecer as pessoas como realmente eram e sentia prazer quando um segredo lhe era revelado. Ela detestava sentir os limites da vida. Queria o mundo todo para si. Agora havia deixado de lado a fotografia e se entregado ao amor pelo teatro. Estava trabalhando até a exaustão e sentindo que tudo poderia dar certo. Amava Bueno, especialmente pelo o que ele havia se tornado nos últimos anos. Ele perdera o medo da vida e ganhara uma espécie louca de coragem, que fazia Júlia suspirar. Bueno diria o que fosse preciso, daria a vida pelo respeito ao seu livre-arbítrio. Bueno e Júlia existiam como um só. Júlia sempre sorria ao se lembrar do bilhete de Bueno nas flores do primeiro mês de namoro:


minha ausência ninguém percebeu
do incerto só nascem por quês
então uma fenda se abre
num destino fadado ao talvez

tão de perto não sei como agir
o medo esconde minha vontade sincera
moça teimosa e deveras segura
é nos teus braços que alugo a minha cura

hoje à noite acordei e quis você aqui
o silêncio tenta me adormecer
disfarço, finjo, quase me esqueço

com promessas se desfaz a solidão?
se nos teus lábios reencontro o que perdi
vale o melhor pra viver tal paixão

 Júlia sentia o amor quando estava com Bueno.

Uma noite Bueno chegou em casa do trabalho e notou Júlia aos prantos. "Quero viver", ela dizia. "Quero que a vida sugue cada átomo de mim. Bueno, às vezes é como se aqui não fosse o meu lugar. A vida vai bem, mas não consigo encontrar a felicidade. Não consigo me encontrar. Não quero mais viver das migalhas de felicidade que o destino joga. Quero me construir. Imploro à vida por algo que me encha o peito". Bueno se desesperou. Se sentia incapaz de dar felicidade à melhor pessoa que havia conhecido. Júlia era tudo em sua vida, ela era o que o fazia viver. "Bueno, eu te amo. Mas acho que talvez eu me entregue ao mundo. O teatro vai embora de Belo Horizonte. Vai rodar o mundo. Me deram alguns dias para me decidir." Bueno silenciou. Levantou-se da cama e saiu de casa sem dizer nada à Júlia.

Bueno foi a um bar perto de sua casa. Enquanto bebia pensava na catástrofe de sua vida sem Júlia. Não poderia deixar que uma mulher como ela saísse de sua vida. Lembrou-se de quando não a conhecia e da insegurança sob a qual vivia. Buscou em sua memória momentos de solidão, nos quais mal podia contar consigo mesmo. Desde quando conheceu Júlia, se tornara outra pessoa. Se lembrava de como ela o apoiava em todas as decisões e da forma como olhava para ele. Não perderia Júlia. Estaria com ela, mesmo que isso custasse qualquer coisa dele, mesmo que isso custasse qualquer um desses sofrimentos temidos por toda a humanidade. Voltaria para casa e diria a ela tudo o que sentia. Seria melhor agora. Iria com ela a qualquer lugar. Se arrependia por não ter dito isso antes de sair de casa. Era como se a simples ideia de perdê-la trouxesse de volta todo o medo de viver.

 Bueno chegou em casa pela manhã e foi direto ao quarto dizer à Júlia que poderia contar com ele por toda a eternidade. Ela não estava lá, apenas um bilhete a representava.


"Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir
Ah, se ao te conhecer
Dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que inda posso ir
Se nós nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir
Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu..." ¹

 Bueno empalideceu.


¹ Trecho de poema de Chico Buarque.
Sérgio Luna
Ex-aluno da FDCL
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Bueno (primeira parte)

Belo Horizonte, meio-dia e dez. Bueno sentia a tensão do dia, precisava almoçar em quinze minutos para que chegasse a tempo para a reunião das doze e trinta. Trabalhava no décimo quarto andar e hoje almoçaria no restaurante do quinto, a comida era bem menos saborosa que no restaurante do centro, mas agora a ordem era ganhar tempo.

Saiu de sua sala a passos rápidos e apertou o botão chamando o elevador. O elevador demorou mais do que o esperado, e ao chegar ao restaurante, Bueno constatou que já havia perdido quatro minutos e suspirou. “Muita fome e pouco tempo”, pensou. Bueno serviu rapidamente seu prato, sem tempo de se servir dos alimentos que custavam fila; no fim era arroz, feijão, batatas e bife de frango. Bueno sentou-se, pediu uma coca-cola e começou a comer rapidamente, tentando manter a etiqueta apesar de toda a pressa que o consumia.

A coca veio e Bueno pôde se alimentar mais rapidamente, pois o refrigerante descongestionaria a comida em seu esôfago e facilitaria todo o processo. Bueno terminou o almoço, pagou e correu. Meio-dia e vinte e sete. Bueno chamou o elevador, que não vinha. “Pra que diabos eu vim almoçar… devia ter ficado esperando na sala. Eu sabia da reunião. Mas hoje já ia pro terceiro dia sem almoçar… eu devia ter ficado esperando, agora vou me atrasar”, pensou.

O ascensor não vinha e Bueno via seu relógio marcar meio-dia e vinte e nove. O elevador chegou e ele se incomodou com o trânsito de pessoas que o fazia perder mais tempo ainda. Entrou no elevador, décimo quarto. Subia sentindo o tempo passar em décadas e cada vez mais suado. Chegou à sua sala, meio-dia e trinta e um. Pegou seus papéis desajeitadamente e entrou na sala de reunião extremamente inseguro e constrangido pelo atraso. A reunião terminou em quinze minutos.

Tinha 30 anos, sorriso jovial e olhos indomáveis, Bueno Oliveira Peixoto. Gostava de assistir televisão de madrugada, jornal impresso, ouvir jogos de futebol no rádio e ler Kerouac. Não gostava da solidão que levara por toda a vida, de acordar a noite sem camisa para fechar a janela do quarto incomodado com o vento gelado. Detestava gente famosa, não conseguia entender como havia demanda de público para comprar biografias de astros do Rock e divas do Pop; não gostava da maneira como cantavam regras e do ar de superioridade quase sempre infalível que carregavam.

Bueno sempre fora solteiro. Na verdade, tivera poucas mulheres na vida. Sempre tivera poucas mulheres e poucos amigos. Era como se não pudessem entendê-lo da forma como gostaria, com seu tipo organizado e conservador. Mas essa noite iria a algum lugar. A solidão que sentia sufocava sua alma a ponto de quase não poder respirar. Sentia o coração apertado pela vida que nunca havia vivido.

 Havia sido convidado por alguns amigos a ir a uma boate à noite e aceitou o convite.

Chegou à boate se sentindo bem arrumado e bonito, notou alguns olhares em sua direção. Apesar de todos os defeitos que o separavam das mulheres, sabia que poderia ser considerado um homem de boa aparência e sentou-se próximo ao balcão sentindo alguma segurança e confiança em si próprio. Assim que se sentou notou uma mulher dançando sozinha. Ela era diferente de tudo o que ele já havia visto. Desde o primeiro momento sentiu que ela seria importante em sua vida e soube que não poderia continuar a viver se não fosse falar com ela.

Bueno se sentiu inseguro, era péssimo dançarino e queria se aproximar. De forma completamente desajeitada e com os trejeitos de quem tem cãibras se aproximou. A mulher não se importou com a dança ridícula de Bueno e o olhou nos olhos. Naquele momento Bueno sentiu como se não houvesse chão sob seus pés, sentiu como se pudesse dar fim à sua vida naquele instante sem nenhum débito consigo. Aproximou o rosto ao rosto da mulher e a beijou demoradamente.

A beijava e podia sentir o gosto da vida, o gosto felicidade. Escorreu as mãos pelo vestido da mulher e sentiu as curvas e o calor. Sentia cada vez mais calor. Ela saiu do beijo e o puxou pela mão, quando ele se deu conta estava entrando no banheiro feminino da boate. Ela o posicionou no sanitário e trancou a porta. Beijaram-se como se o mundo fosse acabar e ele lhe subiu o vestido. Rasgou-lhe a roupa de baixo e colocou a mulher em seu colo. Sentia que ela abria sua calça. Ele estava dentro dela. O céu. Seus corpos haviam sido feitos um para o outro.

O calor da mulher era diferente, sentia os movimentos dela como se fossem seus próprios. Por um tempo, que Bueno mesmo anos depois não consegue determinar quanto foi, os dois seguiram juntos com os mesmos movimentos. Bueno sentiu a região abdominal da mulher se enrijecer e viu no rosto dela uma expressão explosiva de prazer. Sentiu também que seu próprio gozo estava por vir. Continuaram os movimentos de forma desesperada, ele olhou para a mulher e a viu fechar os olhos e gritar. Prazer. Bueno sentiu o céu da vida. Sentiu que não precisava sair dali nunca mais. Ela o abraçou e ficaram imóveis por alguns minutos. Perguntou o nome da mulher.

 “Júlia”.

 Júlia disse que precisava ir e ele se recusou a abrir mão da companhia.


“Eu também gostei da noite”, disse Júlia, “mas minha alma agora pede solidão. Me ligue amanhã”.  Bueno levou Júlia até o lado de fora da boate e a viu caminhar, cada vez mais distante, até que Júlia entrou num táxi e sumiu às suas vistas.

Sérgio Luna
Ex-aluno da FDCL
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Adoráveis

Às vezes tudo o que falta é a chave de casa.

Fazia tempo que inventava pretextos a todos a fim de conseguir mais tempo sozinho. Todas as tarefas, manias e vícios o estavam afastando de qualquer contato real com alguma criatura falastrona. Pensava estar bebendo muito café, portanto colocara em sua lista de futuros não-fazeres “diminuir o café”. Na lista também havia velhos planos urgentes como largar o cigarro, a bebida e o desperdício de tempo.

O sábado se arrastava e ele olhava pela janela, imaginando qual o caminho mais eficiente para chegar ao outro lado das montanhas. A noite se aproximava e decidiu caminhar pelas ruas iluminadas pelos postes de luz fraca. Foi ao banheiro, tomou banho e se barbeou. Olhou o espelho, “Não pareço tão mal assim”. Saiu do banheiro, se vestiu como quem vai ver alguém que está aguardando sua chegada, se perfumou e desceu as escadas do seu prédio. Saiu pelo portão e acendeu um cigarro. Naquele momento, o que parecia mais interessante era ter alguém pra conversar; a infinita preguiça de estar acompanhado fora agora substituída pelo desejo súbito de não estar sozinho. Caminhou até um pub localizado numa rua paralela à de sua casa e sentou-se num banco próximo ao balcão. Uma loura de quase um metro e oitenta o observava sem cerimônias. Sentia-se agradado por ser observado e por perceber que ainda podia chamar a atenção de uma mulher. Aproximou-se dela.

 -Posso pagar um drinque?

 -Não me parece mau.

  Pediu dois whiskys com soda ao garçom.

 -Não me diga que também não tem amigos.

 -Tenho, mas não os quero.

 -Não me parece tão necessitada de solidão.

 -E o que sabe sobre a solidão?

 -Sei que nos acostumamos a ela por um tempo, mas depois nos cansamos de nós mesmos.

 -Não acho que saiba muito.

 -Vamos sair daqui.

 -Você não me conhece, cara.

Ele se levantou da cadeira e a puxou pela mão. Ela o acompanhou e foram juntos até o carro dela. Observou melhor aquela mulher que o acompanhava. Tinha traços fortes e havia algo aterrorizante em seu sorriso. Ela mudara completamente dentro do carro; agora falava muito e se insinuava para ele o tempo todo. Abordava assuntos sobre como ele gostaria de morrer e qual a maior dor que ele já sentira. Ela dava gargalhadas e o deixava assustado.

Ela dizia que gostava da companhia dele, e que o percebia assustado, mas que não adiantaria fugir dela, porque ela o procuraria a noite toda. Era uma louca. Dizia: “não saia de perto de mim, meu bem… se sair eu vou te procurar e te achar, fica aqui comigo”. Ela parou em uma loja de conveniências e ele desceu do carro e correu até a sua casa sem olhar para trás, agora se lembrara do motivo que o fez querer se afastar das pessoas: elas são ruins e aterrorizantes. Loucos, infelizes e assassinos. Era a natureza de todas as pessoas: a crueldade. Agiam por interesse e iriam consumi-lo até a alma. Sentia medo daquela mulher, achava que ela poderia arrancar suas entranhas e fazê-lo sentir a dor que temeu por toda a vida. Achava que ela poderia arrancar seu coração.


Correu até sua casa, mas sentia em sua alma que ela o perseguia em alta velocidade e o alcançaria a qualquer momento. Avistou seu prédio e correu cada vez mais, feliz por estar chegando e por saber que voltaria à sua casa, onde ninguém poderia vê-lo e estaria seguro. Chegou à porta do seu prédio, aliviado, quando percebeu que não carregava a chave consigo.

Sérgio Luna
Ex-aluno da FDCL
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A sensação de frio na alma

A imensidão dos sentidos que se choca no tilintar de um coração que se prepara para alçar voos um pouco mais intrigantes, traduzem a efêmera sensação de conforto presente no colo de uma alma livre, na natureza de um abraço apertado, de um aconchego enlatado, um turbilhão em sua tradução.

Quem dera a vida fosse um encanto mágico, dotado de membros e sentidos, cujos lábios de mel, na pureza de uma palavra doce, revelassem-nos, com delicadeza, o segredo da completude numa decifrável teoria algébrica. Uma matemática doce e leve, mas exata.

E a alma, fonte viva de calor e superação, encobre seu choro na esperança de ouvir os sinais de quem chega (se é que chega) para se apresentar como um novo habitante para povoar essa plataforma de oblações.

E, nesse contexto em que o tempo faz o dedicado papel de nos moldar, já que somos, por inerência, pedra bruta, somamos nossas expectativas para, enfim, firmarmos nossas raízes em solo fértil, nosso desejo de não sermos fragmentados.

Na face, junto à cabeça, trazemos o letreiro que nos denuncia com letras garrafais: PROCURA-SE DE PESSOA INTEIRA que traduza a noção de espaço existente em ser e ter e que se posicione junto à virtude;

Que demita meias verdades e alie teoria moderna à prática sincera, sem demagogia;

Que dê uma rasteira no ego e despiste a vaidade deixando-os para trás, sem ao menos um olhar de compaixão ou arrependimento;

Que transforme as primaveras em flores de maturidade acolhidas e não em contagem progressiva (regressiva) para a morte;

Que se permita perambular entre o certo e o errado sem radicalismos, na pretensão de conhecer a si mesmo e os outros;

Que olhe para seu espelho interior e se dedique a evitar reflexos naqueles que o rodeiam;

Que evite julgamentos apressados, movimentos acelerados e palavras súbitas;

Que tenha coragem de enxergar o outro em seus invernos (infernos) e tolere o calor agudo de seus verões (pois sol em demasia causa queimaduras), usando filtro solar;

Que não desperdice os sonhos em noites de solidão;

Que conviva e viva sem se perder em noção;

Que una e não achate e que use laços e não prisão;

Que se comprometa com o outro e não traia seus ideais na trapaceira expectativa de ser feliz;

Que registre sua identidade com princípios e valores que não afastem os estímulos do coração;

Que se parta em pedaços, que se faça um amasso, mas jamais se desligue da sua missão de aquecer a alma depois de um intenso outono, folhas caídas, galhos secos e depois disso a renovação.

Sendo assim, em tudo que há de vir, que me faça um aprendiz, porque ser PESSOA INTEIRA nesse mundo é imitar um colibri: um pouco aqui, um pouco ali, mas jamais se perde ou perde em si. Onde há um beija-flor, enfim, há sempre uma flor... Simples assim!

E a sensação de frio na alma passa...
Mônica Cordeiro
Ex-aluna da FDCL
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Curta história de labor

Acordou às cinco e quinze da manhã, como vinha fazendo nos últimos meses de sua vida relativamente curta. Tomou seu café da manhã, subiu o morro que dava no ponto onde embarcava no ônibus que o levava ao trabalho. Cochilou nos quarenta minutos de viagem alternando seus cochilos com os pensamentos que o levavam a dois ou três lugares todos os dias durante o trajeto. Pensava na moça que havia sustentado seus pés nos últimos tempos, pensava se a merecia e até mesmo se ela o merecia. Eram pensamentos circulares que o ajudavam a esquecer o labor que sua vida se tornara. Sentia na testa o tiro que havia saído pela culátra; como se todas as merdas que havia feito fossem despejadas de volta na sua cabeça. Pensava nas sugestões de companhias casuais. Era tudo questão de necessidade.

Era segunda-feira. Havia algo bom, já que estava descansado após o fim-de-semana. O lado ruim era o tempo que o separava do próximo sábado.

Desceu do ônibus sonolento e tentando imaginar alguma maneira qualquer de sabotar o trabalho. Mas não havia maneira alguma; teria de passar todas aquelas horas que havia vendido ao chefe trabalhando, sujeito à cobranças inexoráveis. Por que não acabar com tudo? Havia mil maneiras de morrer ali mesmo, naquele instante em que praguejava contra a vida. Mas as coisas não iam tão mal assim, e mesmo que demorasse, chegaria em casa a tempo de aproveitar um pouco da preguiça, seu pecado capital.


Bateu seu ponto e tomou o ônibus de volta pra casa; na viagem de volta cochilou e foi tomado pelos mesmos pensamentos circulares da viagem de ida. O ônibus chegou e ele desceu sua rua, abriu o portão, tirou os sapatos em gesto desesperado, tomou banho e se alimentou. Preparou seu chá com cautela de artesão antes de ingeri-lo com toda a gana e deitou-se imóvel em sua cama. Eram onze da noite e ele tinha pensamentos incômodos. Amanhã era terça-feira.

Sérgio Luna
Ex-aluno da FDCL

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Neblina roxa

Sábado, onze da noite. Acordou confuso, corpo acomodado à preguiça e sentindo dores nas costas; das que vêm sempre para os que passam muito tempo deitados. Havia muito tempo que não se levantava da cama, que não aparecia para o mundo; viviam ele e sua televisão. Há um mês perdera o emprego de vendedor de livros numa loja localizada no centro da cidade e, desde então, não se preocupou em arranjar outra coisa, já que poderia viver sem grandes problemas pelos próximos dois meses apenas com o dinheiro que o Estado lhe pagava a título de seguro desemprego. Esticou o braço até o pequeno móvel ao lado de sua cama, abriu a gaveta em busca de um cigarro e inquietou-se ao notar que não havia mais nenhum.

Levantou-se da cama e espreguiçou-se alongando os braços e curvando o corpo para a esquerda e depois para a direita. Precisava de um cigarro. Precisava andar em círculos pela pequena sala de seu apartamento ouvindo Hendrix, fumando seus cigarros e pensando no que sua vida havia sido até agora. Nesse momento pensava na relação curiosa que havia entre seus pensamentos e os cigarros. Os cigarros são uma demonstração de que as pessoas em determinados momentos pouco se importam com seus cânceres ou quaisquer deletérios que venham a ser desencadeados pelas ações que têm natureza em seu arbítrio. O que mais importa ao Homem é fazer o que deseja, sendo indiferente o quanto pode ser nocivo. O importante agora era ter alguns cigarros.

Trocou de roupa, tomou alguns goles de café e foi à rua. Quando se deparou com as ruas de sua metrópole, percebeu o que representava a noite. Percebeu que ela havia sido feita para o melhor e o pior em cada um vividos no mesmo milésimo de segundo. Viu centenas de transeuntes, alguns com pressa para chegarem aos seus destinos, enquanto outros corriam em busca de seus venenos. Atravessou sua rua, passou em frente a um mercado e viu alguns homens, mulheres e crianças revirando o lixo em busca de comida. A criança, uma garota que aparentava oito ou nove anos de idade encontrou um osso com algum resto de carne crua e o devorou desesperadamente, despertando olhares invejosos em seus companheiros. Não havia o que dividir se não o desespero. Caminhou mais duas quadras. Esquinas de putas, nóias e covardia enfeitavam a paisagem de prédios novos e colossais, ruas asfaltadas e mistificadas pelas histórias dos que por ali correram, passo sobre passo, experiência sobre experiência, dia-após-dia. Encontrou um bar aberto e entrou.

 - Um maço de Hollywood.

 Disse ao atendente.

 O jovem atendente lhe deu o maço de cigarros e pegou o dinheiro.

Caminhou em direção à sua casa contemplando as mesmas visões do trajeto percorrido em sentido reverso. Chegou a seu prédio e entrou em seu apartamento, 401. Só então abriu seu maço de cigarros e tragou aliviado. Sentiu um leve mal-estar e se pôs a caminhar em círculos pela sala. Ligou o som. Purple Haze.

                                                                               
Sérgio Luna
Ex-aluno da FDCL
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Disfarce
   
Sentei-me naquela velha cadeira que me acompanha há mais de dez anos e me encarei no espelho. Havia alguns fios grisalhos na minha cabeça, bem como na barba que estava começando a crescer. O que há nesses cabelos brancos? Por um lado denotam a implacabilidade do tempo, numa demonstração indefectível da desproporcionalidade entre o tamanho da vida e o meu, na condição humana. Eles demonstram também certo preparo para as situações que eventualmente surgem, como se significassem maior tato pra entender os problemas e consequentemente solucioná-los. De qualquer forma eles estavam ali, repletos de significados pra mim.

Abri a gaveta à minha direita e peguei um pequeno estojo de maquiagem que ficava sempre ali guardado. Comecei o processo, inicialmente deixando o meu rosto completamente esbranquiçado. Depois, delineei a boca num constante e gigantesco sorriso vermelho, que abria margens para diversas interpretações, desde a pretensa felicidade gratuita até o sadismo incontrolável. Eu mesmo mantinha minhas dúvidas entre esses dois tipos, e acho que o pensamento mais preciso, no meu caso, seja acreditar que oscilo entre esses temperamentos, especificamente. Quando fico ali no meio tentando fazer com que todos riam de mim, é como se eu estivesse tão feliz que os contagiasse primorosamente. E deve ser mesmo. Mas preciso confessar aqui, secretamente, que por várias vezes quis fazê-los gargalhar até explodir, enquanto me esforçava num humor exagerado e autodepreciativo. Literalmente morrer de rir. De certa forma esse sadismo contribuiu para a minha satisfação ao longo dos anos.

Todos riem do palhaço. Ora, o que mais eu poderia querer, afinal? Profissionalmente não há via mais certeira para que eu me realize. E acho, com absoluta franqueza, que contribuo determinantemente para que a humanidade se propague pelos séculos. Como mencionei alhures, essa autodepreciação ajuda, faz bem às pessoas à minha volta. Naquele momento sou tão ridículo, tão risível, que quase não sobra capacidade intelectual a eles para que detectem as próprias mazelas. Todos ali sorrindo incessantemente do sujeito que tropeçou no meio do picadeiro, ou que foi feito de bobo pelo palhaço mais esperto. Naqueles instantes em que me coloco completamente vulnerável ao escárnio, todos os que assistem parecem se encontrar dentro de si próprios, por assim dizer. E então, mágica e lindamente, os seus problemas diminuem consideravelmente enquanto eles estão completamente inclinados a acreditar que sou, de certa forma, o que existe de mais sem jeito nesse mundo.

Sinto-me satisfeito por saber que ajudo as pessoas a continuar as suas vidas, mesmo que às vezes me venha certo remorso por sentir que estou tirando delas a capacidade de perceber a própria responsabilidade e também a autocrítica. Não sei se faz bem isso de deixar que pensem que o desajeitado sou apenas eu.

 Levanto-me e me sinto bem, agora nesses instantes antes da minha apresentação. Sou válvula de escape, bode expiatório do que deve ser o que mais causa vergonha nesse mundo. Respiro fundo e vou até o palco. Meu sorriso nunca foi disfarce.

Sérgio Luna
Acadêmico da FDCL
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Comezinho

Estava sentado na sua cama com os cotovelos apoiados sobre os joelhos e as mãos no rosto. Passou as mãos nos cabelos e suspirou incomodado.

“Posso muito mais do que todos esses inúteis, e só o que faço é ficar aqui me perguntando por que é que eles é que dão as cartas. Talvez seja esse meu jeito ridículo de ser, um medo de todo mundo travestido de boa-vontade, de gentileza. Ainda há os que me apontam e elogiam essa postura covarde, de evitar o conflito em prol de uma existência tranquila, mas na verdade o que acontece é que eu sempre levo a pior. Houve uma época em que me orgulhava de ser assim. Desde ontem passei a perceber o quão comezinhos meus desejos eram.

‘Nossa!, o sucesso’. Que maneira idiota de pensar. Quanto tempo eu já perdi tentando provar  uma quantidade enorme de coisas pra um monte de gente estúpida. E hoje, o que restou pra mim? Percebi que os que tentavam ser superiores a mim enquanto eu estava suscetível foram os mesmos que lustraram meus sapatos quando o sucesso veio. E eu gastei minha vida tentando agradar a estes? Passei a vida preocupado com o que estas pessoas pensavam de mim? Quando penso nisso quase viro do avesso de remorso”. Você deve saber como é.

Levantou da cama e se olhou no espelho. Ainda tinha um brilho no olhar, ainda havia algo bom a vir dali de dentro. Se sentindo sugado por grande parte das suas atividades diárias, sabia que havia tempo para ter uma vida que significasse algo. Estava com os sapatos, calça e camisa. Faltava a gravata. Sentia-se fantasiado. Deixou escapar um sorriso. “Vou trabalhar todo dia fantasiado de palhaço. Será que riem de mim?”. Colocou a gravata. Se sentindo mais tolo a cada segundo que passava, abriu a gaveta. Uma caneta com seu nome, um celular e um crachá. “Deus do céu”, pensou.

Saiu de seu quarto e foi para a cozinha. Sua esposa lhe preparava o café enquanto ele se sentou para esperar. Olhou para seu filho de 11 anos. Era um garoto educado, pra quem não faltou o amor nem nada. Invejou o filho, sob certa perspectiva. Como ele gostaria de ter a vida inteira pela frente também; a pior parte de se ter 40 anos é saber tudo o que foi deixado para trás.

Lembrou-se de um conselho que já havia ouvido e o repassou ao menino. “Ei, filho. Não dê atenção ao que seus professores dizem nas aulas, ok? Nada daquilo é importante. Apenas observe como eles se comportam frente à vida. É assim que a gente aprende o que de fato é importante. E arrisque-se mais. Nós não podemos ser covardes nunca”. O filho o olhou e assentiu. O homem se assustou com o próprio tom ao dizer aquelas palavras. Parecia mesmo que era uma despedida. Levantou-se da mesa do café, deu um beijo no filho e outro na esposa, que não havia dito nada naquela manhã. Olhou-a nos olhos e caminhou para fora da casa.

Entrou em seu carro. “Bem, lá vou eu. Mas será que não estou esquecendo o...”. Esticou o braço até o banco de trás do automóvel. Seu taco de baseball estava lá. Cobriu-o com uma coberta antiga. Ligou o carro e dirigiu até o trabalho.

Sérgio Luna

Acadêmico da FDCL
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Casa velha

Era uma casa velha que ficava em uma fazenda que herdara de seu pai. Havia várias lembranças presas àquele lugar, desde descobertas do início da vida até os momentos que o faziam, desde então, estar preso a certos hábitos e crenças. Não havia muito pra pensar, nem muito que fizesse sentido, era apenas o lugar onde escolhera pra passar aquele resto de tempo. Um dia, uma década, já não fazia diferença.

Saindo da casa havia um caminho que levava até um rio. Tirou os sapatos, deixou os pés na água e esticou os braços pra trás, usando-os para se escorar no chão enquanto olhava o céu. Passava um pouco das seis da tarde, podia avistar o sol indo embora, o calor diminuía e as brisas eram cada vez mais constantes e intensas. Lembrou-se de olhos claros, não do castanho comum dos seus, mas da profundidade necessária para fazê-lo encontrar a fonte que lhe era imprescindível.

Naqueles dias foram feitas descobertas determinantes, o caminho até aqui começava a ser trilhado e o destino finalmente mostrava a sua verdadeira face, sem todos os apelos que lhe pareciam lógicos, mas com o requinte que só mesmo a natureza pode bordar. O que existe por conta própria é que chega a um ponto tão essencial. Os passos eram inutilmente calculados. Agora dava vontade de rir quando se lembrava de que sentia estar no controle.

Finalmente podia respirar ar fresco. Nesse ponto da vida, há muito mais do que se deixou pra trás do que expectativas pra ter. As boas lembranças é que eram a pior parte. Em resposta ao que um dia lhe foi dito, chamava-a Ela. Ela que o trouxe de volta pro seu curso. Observava-a, com tanto pra sentir e dizer, mas media-se, sabendo de sua própria abertura exagerada para a intensidade. Ansiava por todos aqueles segredos e antecipava-os bem como a tudo o que lhe era imaginável. Dosava-se, do mesmo modo que faz ao manusear palavras.

Por muitas vezes viveu sua vida sem sequer estar no devido lugar, sem nem ao menos saber qual o sabor verdadeiro, tomado por emulações imaginativas que pareciam estar além do seu controle. Não podia também desconsiderar a sua vida real, momentos em que se concentravam turbilhões de circunstâncias, em que descobria o significado verdadeiro do que já pareceu ser apenas uma sátira sobre cotidiano mistificado. Existia uma firmeza nos acontecimentos, e não haveria a indulgência a qual sempre preferiu acreditar; não haveria pra ninguém. Um gatilho com um indicador trêmulo e confuso controlando, e do outro lado sempre haveria uma base. Talvez uma construção colossal, num universo belo e repleto de esperança, ou apenas uma pequena chama, mas fundamental, por ser o que ilumina o completo breu.

A noite já havia chegado, “noite rainha destronada”. Tinha um pouco de chá no fundo de sua mala, o escondia ali. O preparou e tomou na varanda, enquanto olhava o céu, desta vez a observar as estrelas. Fechou os olhos e respirou fundo.

Sérgio Luna
Acadêmico da FDCL

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Brincava com a verdade, num estímulo de quem não sabe sorrir de forma natural. Achava do destino um tolo, enxergava a todos como máquinas fadadas à ferrugem. Quem sabe uma forma nova não se assumiria se trocassem sua engrenagem, fosse feita alguma reposição de peças, entendido melhor seu manual? Ninguém sabe. E também não quiseram saber.

Já completava a quadragésima década e, até então, não via sentido em nada. Produto de consumo do tempo, era capaz de perceber apenas o decurso de anos, ignorava os dias, semanas e meses. A tosse constante e a náusea eventual lhe lembravam de sua condição humana. O terno padrão como o de vários outros lhe deixava ainda mais longe de si, desafiando se havia alguém ali dentro. Quis parar com essa brincadeira. Usou a forma que julgou menos gravosa. Não conseguiu, acordando e se frustrando ao ter os olhos abertos, além dos entediantes dias no hospital para desintoxicação.

Falha a tentativa de romper com a própria vida, sentiu ira por estar em um mundo onde a entrada fora forçada e a saída, por mais que tenha sido dita facultativa, era dolorosa. Levou mais alguns dias se questionando o que era pior, continuar se arrastando ou se jogar em um impulso final. Sempre temeu qualquer altura. Constatou que todos aqueles seres que caminhavam pelas ruas estavam dopados por algum elemento que desconhecia, pois todos pareciam saber para qual direção andar, ao contrário de seus passos tortos que lhe guiavam ora para um lado, ora para outro.

Vendo que não mais cabia ali, optou por ser mais forte e resistir à dor do impulso final. Dirigiu-se ao topo do prédio que vivia, chegou à ponta dos pés na lateral, olhou para baixo. Não sabia distinguir se o que via eram pessoas, cães ou carros, todos pareciam velho maquinário. Em uma contradição às suas expectativas, certa sensação de tranquilidade agora lhe assolava. O tão temido salto, que havia pensado ser custoso quase a ponto de lhe fazer permanecer vivendo, já não tinha um aspecto cruel. Assemelhava-se a um selo de liberdade. Abriu os braços, sentindo o vento em seu corpo e quase deleitou a condição humana.

Pela primeira vez, estava bem consigo, sentia agora que era o dono de suas dimensões e poderia deliberar sobre o que com elas seria feito. As pernas não tremiam, a despeito do medo de altura que alimentou a vida toda. Desatou o nó de sua gravata e quis estender o momento. Sentou com as pernas para fora do prédio. Sentia como se não houvesse do que se debater ali. Não tinha medo de cair, pois havia mesmo planejado se jogar. Agora entendia melhor que os medos que são alimentados durante a vida são fictícios e temporários. A cada fase há uma preparação diferente e as situações são encaradas com outros olhos. Sentiu uma pontada de fome, lembrou que a última refeição que havia feito fora o café da manhã. Desceu e preparou seu jantar, deixando as janelas abertas para sentir um pouco melhor o ar da noite.

Amanda Marques Guimarães
Acadêmica da FDCL


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TOLERÂNCIA


Até que ponto conhecemos o verdadeiro significado da palavra tolerância? A tolerância só pode ser praticada, defendida e conhecida quando enxergamos o outro, quando reconhecemos no outro os mesmos direitos que possuímos.

Que roupa você vai vestir? Qual a sua opinião sobre política, futebol o que você gosta e o que você não gosta? Qual a sua religião, sua opção sexual? Até que ponto as suas opções e as suas ideias vão determinar o quanto eu posso ser tolerante com você ou não. Ser tolerante é aceitar o outro como um ser capaz de fazer suas próprias escolhas. E quando aceitamos que o outro pode escolher os seus caminhos, nós nos aceitamos como possuidores dos mesmos direitos.

Tolerar não é favor prestado a alguém, não toleramos o outro como forma de mostrar para uma sociedade o quanto somos bons, temos o dever de tolerar como forma de sobrevivência, porque as nossas escolhas também terão que ser toleradas. Tolerar deve ter o mesmo significado que respeitar e se achamos difícil aceitar o outro, talvez porque seja difícil nos aceitar. Como seres humanos temos a necessidade de falar, questionar, debater, criticar e concordar mas de principalmente entender que o mundo se constrói a partir das diferenças, mas ele se mantém de pé a partir das semelhanças de direitos e deveres.

Mas devemos tolerar sempre? Absolutamente não, devemos ser intolerantes quando uma sociedade trata um idoso como um fardo, quando encontramos crianças vivendo totalmente em situação de risco, quando acreditamos que o negro só tem direitos como forma de corrigir um erro do passado. Devemos ser intolerante a falta de educação, em todos os sentidos dessa palavra, não devemos aceitar de bom grado as mazelas de uma sociedade corrompida incapaz de tolerar os direitos constitucionais garantidos a cada um de nós. Somos seres pensantes, inteligentes, capazes de alcançar a lua, porque não alcançar com respeito o direito de quem está ao nosso lado de forma a lutar por ele como lutamos pelos nossos direitos individuais.

Durante a história da humanidade observamos guerras sendo travadas muitas vezes pelo simples fato do ser humano não entender que somos a obra prima de Deus e só somos assim considerados pela nossa capacidade de criar, pensar e agir diferente dos demais, somos especiais porque somos diferentes, foi nos dado o poder, o grande poder de escolher.Quando presenciamos atos de intolerância, presenciamos o homem tentando nos tirar aquilo que é inerente à nossa condição humana:O direito de escolha,de ser um indivíduo.

No livro Tratado sobre a tolerância temos o exemplo típico da falta de tolerância: a intolerância religiosa. Estamos falando do ano 1762, alguém poderia assim que acabou de ler livro dizer, ”como pode isso acontecer? Também naquela época”. Mas como essa época ainda insiste em se manter viva!Não praticamos tão avidamente a tortura física, mas usamos algo que pode ferir tanto quanto, a palavra. Somos rápidos em espalhar as nossas opiniões acerca das escolhas dos outros, de como o outro deve se comportar, naquilo que devem ou não acreditar.Temos diante de nós o código penal que no seu titulo V trata dos crimes contra o sentimento religioso,tudo para manter um certo controle sobre a intolerância humana

Sejamos intolerantes a falta de tolerância, vamos olhar para dentro de cada um de nós e descobrir em que ponto o outro nos incomoda pelas suas escolhas, o exercício de tolerar é diário porque se estamos vivos estamos sujeitos a conhecer o diferente todos os dias.


Por Elizabeth Cristina da Silva

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Pensamento

Dormi por uma ou duas horas e quando acordei estava fazendo uma viagem dentro de mim.

Primeiro passei pela minha boca ,e não pude deixar de observar a necessidade de limpeza nos meus dentes.Rapidamente cheguei a um túnel, que acho ser a minha garganta, e me agarrei em alguma coisa para não me precipitar,fui surpreendido por algo estranho, que se apresentou como vírus particular da minha garganta,ele me disse que ultimamente estava tendo muita dificuldade  para realizar seu trabalho de infecção em mim.

Bom sinal, respondi, ainda meio assustado. Perguntei a ele onde eu encontraria uma saída, imediatamente fui bombardeado com uma gargalhada, esperei pacientemente, e finalmente recebi uma resposta contundente. Vá marcar uma entrevista com o cérebro.
Preocupei-me nesse momento, pois, como poderia marcar essa entrevista? E novamente fui abordado por outra criatura, desta vez um dos mensageiros do cérebro, um sujeito mais simpático, porém bastante concentrado. Na apresentação, ele se intitulou neurônio número 796300. 796300,foi muito gentil e me deu uma senha para o grande encontro.Fiquei ansioso aguardando o grande momento,enquanto isso não acontecia,resolvi dar uma voltinha.

Desci mais um pouquinho e encontrei um lugar que parecia um filme antigo com um grande navio e eu estava exatamente numa casa de máquinas. Havia bombas de sucção,de recalques, de pressão,ou vazão,sei lá,por toda parte havia máquinas estranhas.No centro ouvi um barulho constante, tum dum,tun dum,tum dum... Pensei,carnaval aqui?
Que estupidez,era meu coração.

Finalmente chegou o grande momento. O cérebro figura marciana,totalmente despreocupado com a sua beleza física.Mas com uma soberania que era de impressionar. Estava rodeado de soldados, e sentado numa cadeira confortável,e em sua frente um computador super sofisticado, um software de invejar meu amigo Bil Gates .Ele me fitava como se me conhecesse há muito tempo, não falava nada,apenas me olhava.
Respirei fundo,falei claro, alto e objetivo, afinal de conta aquele era meu cérebro e eu sou um espírito, ele é umas das ferramentas que Deus me concedeu para evoluir.
Ele se assustou com a minha altivez e respondeu-me rapidamente, mudando totalmente sua atitude de supostamente superior.

Estou satisfeito por ter vindo, sua consciência e seu discernimento é que me conduz.Às vezes você me manda informações que me causam problemas com os subordinados. Decisões emocionais ou técnicas,que não deveriam estar na frente do raciocínio. Alimente-me para que eu possa participar dos seus pensamentos. Posso te ajudar, mas a decisão é sua. Tenho receio de enfrentar uma rebelião, meus mensageiros andam muito agitados ultimamente. Ainda bem que tem uma química que contorna as situações de vez em quando, agradeça sua esposa pela força que tem me dado. Espero que não se ofenda por-tê-lo trago aqui, volte sempre que puder. Às vezes temos que fazer uma reforma intima. Ah por favor faça uma revisão no sistema de alarme,é que ando perdendo muitos mensageiros queimados.

Acordei, sei lá acho que não estava dormindo, talvez pensando. Fazendo uma alto avaliação,vi que vale apena direcionar bem nossos pensamentos.EH! acho que você ficou surpreso né, não repare quem sabe você também esta passando por uma rebelião, ou será uma rebeca leão,resseca leão?
Espero que esta crônica colabore com o companheiro.
Também gosto de escrever algumas coisinhas, espero aprender mais contigo e fazer um grande intercâmbio.  

Alberto Limonta de Andrade

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Sob o bigode de Leminski

Queria desta bruta vida
Meus feijões de ouro agora
Não esta lide comprida
Essa fria bóia
Na mão não, não, esse calos
Mas sim! compridas, compridas esporas...
Pra machucar o mundo
Que me machuca
Com se dele
Fosse de fora.

Flávio Ventus. Outubro do 2013.


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Ode ao que não fui


Quando encontrar-te teu corpo caído

Nesta terra seca e sem fim

Guardarei teu lenço como relicário



Contarei, de forma forte, á tua mãe

A tua filha nunca!

Recolherei tua sombra às outras vozes



Subirei ao alto do mais alto vale

E o vento levara a todos os cantos

Tua historia

Descerei ao fundo das galerias profundas
E desobrigarei teus inimigos
À tua espera. 

 A quilha de teus sonhos,
Nunca mais encontrará esperança
Como uma ave em alto mar sem sentidos
O medo permitira crescer heras
No muro do mundo que corria
Sob teus olhos.

As palmas apregoadas sobre o assoalho aberto
Correrá sem encontrar o arrastar da cadeira
Do conhecido que vem


A honra apertará tua mão na saída
Mas é nas folhas que cairão dos dias sombrios
 Que os nós se atarão ao silencio.

As portas se abrirão comumente
 Os hálitos sujos continuarão a entrar
A estrada torta enquadrada pela janela eterna
As escadas ritualmente lavadas aos domingos
As gerações de gatos nascerão sob as jabuticabeiras...
Porém o livro de teus dias se fechou,
Com o ocaso que findara por duas vezes
Nos olhos de quem o esperava por vidas,
E com sangue foi selado em teu nome, em teu nome...

                                                           Flávio ventus
Outubro de 2013

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Exaltação


Acaricio a flor,
beijo a agonia:
          perfeita alegria.

Porta do amor,
clarão da poesia:
          Santa Maria.

Lua-esplendor,
mar melancolia:
          lumiaria.

Ouço o clamor,
da irmã cotovia:
          melodia.

Gozo na dor,
sofro com alegria:
          santa heresia.

Wagner Vieira
Poeta e autor do livro “Franciscantos”


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“3055” um desrespeito velado.


Um dia desses presenciei uma cena que se não bizarra, chega a ser lamentável, e o responsável é, sobretudo, o Estado, devido à estrutura, a qual não fornece. Refiro- me  a uma linha de ônibus intitulada “3055- Via Barreiro”.

 A linha em voga é a que mais movimenta pessoas durante todo o dia em Belo Horizonte:  são milhares de pessoas que entram e saem desses  ônibus , seja indo ou voltando do trabalho ou a qualquer outro destino. O fato é que a linha está claramente congestionada, os ônibus são insuficientes frente quantidade de usuários.

Por esse motivo, as pessoas se digladiam nos pontos desses ônibus para conseguirem entrar. É uma verdadeira olimpíada: nem bem os ônibus apontam na esquina a correria já começa - “quem correr mais, leva”. Chega a ser lamentável perceber a disputa para entrarem nos ônibus. Senhores que não conseguem se quer andar, ficam a mercê da espera.  Alguns arriscam e saem manquitolando, porém ninguém parece suficientemente solidário a ponto de ajudá-los. A cena se repete com todos os ônibus dessa linha: essa espécie de maratona, cuja vitoria não é nenhum troféu ou qualquer outra premiação, mas sim chegar ileso em casa.

 Ademais, dentro dos ônibus a situação é bem pior: é impossível mover se quer centímetros; é uma verdadeira “lata de sardinha”. A situação mais angustiante que presenciei, no entanto, foi com uma senhora que aparentava ter 70 anos, em sua cadeira de rodas, em meio a uma multidão, querendo desce em seu ponto. Além da falta de mobilidade e acessibilidade- que já configuram um entrave por si só- ela teve que tolerar a intransigência de um cobrador provavelmente estressado e nitidamente mal preparado para esse tipo de situação:

-O ônibus para quando a gente quiser- falou o funcionário em tom enfático e agressivo.
 A mulher se resignou não muito contente, e parecia querer chorar. Mais uma vez ninguém se manifestou ou mostrou qualquer interesse corroborando com total condescendência ao que tinha acabado de acontecer, afinal a única preocupação era chegar em casa. Fiquei atônito com nossa cultura, mesquinha e egoísta. Ficou claro o individualismo presente na sociedade brasileira através de uma cena totalmente banal e provavelmente corriqueira. Nesse país altamente competitivo prevalece a arrogância, e direitos inerentes a uma vida digna são tolhidos e esmagados, não somente pela ineficiência da maquina Estatal, mas também com a alienação e morbidez da população.

  A pergunta evidente que me veio à cabeça foi: porque não aumentar  a quantidade de ônibus ou construir um metrô para melhorar a vida dessas pessoas? A resposta também é obvia: simplesmente porque se aumentar o de ônibus circulantes, aumentará  também os gastos da empresa.  Da mesma forma, ao se construir um metrô, as empresas de ônibus não obterão lucro uma vez que circulará um quantitativo bem inferior de ônibus.

 Essas empresas consorciadas controlam de alguma forma o governo de Belo Horizonte, que em meio a vários protestos por redução dos custos das tarifas, como por exemplo, os de junho de 2013, só conseguiu negociar meros R$0,15 deduzidos não do bolso de grandes empresários, mas sim de uma pequena desoneração do transporte municipal. Diante dessa menor arrecadação, é difícil acreditar que o projeto de ampliação das linhas de metrô seja efetivado. Enquanto isso os usuários da linha 3055 e de outras linhas de Belo Horizonte irão conviver com toda essa defasagem dos serviços de transporte público.

Acredito, sinceramente, que uma forma de começar a mudar essa realidade seria a mobilização da população em prol de seus direitos. A nossa voz jamais poderá calar-se diante de situações inconcebíveis como essa. A sociedade não pode ser complacente com os abusos cometido por esses grandes empresários, apoiados no governo, sobre o nosso direito de ir e vir de forma eficiente, eficaz e efetiva, conforme a Lei Nº 12.587- Dos Princípios, Diretrizes e Objetivas da Politica Nacional de Mobilidade Urbana- Artigo 5°, assegura. Não podemos nos acostumar com as disparidades e deixar que elas sobreponham a nossa vontade de lutar, e nos impeça de gritar pelos oprimidos. 

                                                                                         Diogo Leonardo Dias, aluno do 5º A(N)


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SOL DE DEZEMBRO


 Você sabe de onde vem a luz, não sabe? Quando te vejo se perguntando onde está guardado todo o amor, confesso que consegue me arrancar um sorriso. Um sorriso amarelado, verdade, desses que jogamos aos conhecidos nos dias cinzentos para que não façam muitas perguntas; para que apenas nos deixem passar. Era Sol de dezembro, quando vi a cidade desabar.

 O sinal vermelho me fazia desperdiçar minutos preciosos. Eu mal sabia se esses minutos se tornariam horas, o trânsito era intenso e eu me locomovia apenas por alguns metros quando o sinal abria. Carros enfileirados, próximos. Aquela energia passava por todas as pessoas e creio que os pensamentos percorriam por todas as mentes entretidas com o semáforo e o asfalto negro. Reduza, meu bem, me deixe passar. Deixe-me torná-lo um retardatário, incapaz de me fitar os olhos, um ser que só anda reto e diz as mesmas coisas todos os dias, sabe como é? Você vai rir das mesmas pilhérias por anos, mesmo quando não achar mais nenhuma graça nelas. Este é o seu talento, esta é a sua vida. Parabéns. Invejo a sua sensibilidade, por mais controvertida que ela possa parecer. A fumaça tornava o dia obscuro. Eu não podia respirar muito bem, mas isso era coisa com a qual eu já não me importava. O dia seguiria.

 O semáforo abriu para os veículos, mas eu não saí do lugar. Meu carro não dava partida e, estranhamente, nenhum automóvel se movia. O silêncio invadiu a cidade e a brisa acariciou o meu rosto. Olhei em frente e respirei fundo, atos estes que precederam a minha tentativa de entender a inércia coletiva. Um corpo em chamas caiu em queda livre sobre o automóvel que estava à minha frente. Saí do carro às pressas e observei o corpanzil obeso quase incinerado em cima do carro. As pessoas que viram a mesma cena que eu entraram em pânico. Eu estava estranhamente calmo. Olhei para o céu e notei que chovia corpos flamejantes. Todos queimavam, tudo queimava. Olhei para os prédios ao meu redor, eles estavam em chamas. As pessoas saltavam dos edifícios em desespero, formando a imagem de grandes esferas de fogo que atingiam os carros na avenida. Corri para dentro de uma loja, com a intenção de me proteger do fogo. A loja estava vazia e me deparei com a TV ligada e com o noticiário que anunciava: fogo nas ruas de São Paulo! Fogo nas ruas de Brasília! Fogo nas ruas do Rio de Janeiro! Fogo! Fogo!

 Ah, a beleza contida em cada instante da vida! Vamos reverenciar eternamente o egocentrismo e a libertinagem. Vamos sorrir juntos e estraçalhar qualquer traço de fraqueza que possa existir em nós. Ninguém quer ser comido vivo. Ou quer?

 Encolhi-me dentro da loja e deixei o medo tomar conta de mim. Os gritos que eu ouvia eram demasiadamente aterrorizantes para que eu cogitasse a possibilidade de ir lá para fora assistir ao fim do mundo. As cortinas de fogo se abririam para me deixar ver o espetáculo funesto e interminável. Dei-me conta de que eu nunca mais veria o amanhã.

 Acordei exausto e contemplei o fragor. Saí da loja e me deparei com a cidade completamente em chamas. O céu estava avermelhado, como num reflexo irônico do que a Terra havia se tornado. Era questão de tempo para que eu também fosse queimado, eu sabia. Me lembrei de tudo da minha vida. De todas as ocasiões em que fui capaz de incomodar e de cada suspiro de angústia que eu havia exteriorizado. Os prédios desabavam e tudo explodia, eu não tinha mais para onde correr. Fechei os olhos e sorri. Eu não iria mais me esconder, pois já sabia. Guarde só as coisas boas de mim.


Sérgio Luna
Aluno da FDCL


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VINTÉM


Contava as estrelas. De uma antiga cadeira de balanço cuidadosamente posicionada na varanda de seu apartamento observava os prédios vizinhos. Sentia-se como um velho ventanista disposto a esbulhar brutalmente a morada da sua sanidade, capaz de revirar quaisquer vidas em busca de alguma esperança que pudesse ser empurrada à força em seu peito. De que maneira a vida poderia presentear alguém que não está pronto para ela? A vista era boa. Das profundezas do mirante em que se encontrava podia ouvir o som do rádio ligado, distante, tocando aquele jingle sensacional que já se repetia há vários anos. Colocou a mão no bolso e retirou o bilhete que mudaria a sua vida. Pensava que poderia ter marcado o dezessete ao invés do vinte e dois. Sua consciência agora o cobrava também pelo trinta e três, embora houvesse extrema confiança no vinte e nove. Na verdade não havia diferença entre as escolhas feitas no bilhete e as que poderiam ter sido colocadas ali, naquele papelzinho charmoso. Opções que apenas haviam sido úteis para ilustrar o que alguns chamam de sorte, mas ele sabia ser destino. Simplesmente havia chegado a sua vez. Depois de muitos anos insistindo nesse aspecto da vida, nessa possibilidade maravilhosa de enriquecer, Deus sabia o quanto era merecido todo o luxo estava por vir. Não importa que seja efêmero e não importaria se tivesse mesmo um fim e que depois daquele fim sua existência simplesmente pudesse voltar a ter a neutralidade eterna de quem não tem o que dizer ou o que fazer esperando egomaniacamente que seus gritos sejam ouvidos e que os anjos venham sussurrar em seus ouvidos alguma fórmula qualquer ou panacéia que possa livrá-lo de todas as vozes que insistem em conhecê-lo mais profundamente do que qualquer vez ele sonhou em conhecer-se pois você sabe onde está contido o meu desejo e o que quero tirar de você e consequentemente dar a você apenas me deixe sentir esse gosto para aprendermos até onde pode chegar o que se chama viver. Apenas não estaria ali para ver. Saberia que sabor teria e até onde poderia chegar. Havia programado viagens, aquisições e atos beneficentes a fazer com sua fortuna. Deveria dividir o que a vida lhe daria, portanto sua sorte seria também a dos pobres. Com todos os vícios e traços esfolados de sua personalidade, já havia feito a descoberta de que ao homem que busca o sentido da vida mais vale ser amado do que temido. As estrelas agora não estavam no céu. O sábado apenas amanhecia. Era quase hora do que os comuns costumavam chamar de sorteio, mas na verdade era muito mais. Era o momento da mudança. Observando e respeitando a remota possibilidade de estar equivocado, prometeu-se que após o sorteio levaria seus modos de outra forma. Não ficaria apenas sentado aguardando a mudança. Sentou-se no sofá e esperou que a vida acontecesse e que o azar conseguisse dar lugar à sorte, bem como a noite dá lugar ao dia. Como gostaria que fosse?


Sérgio Luna
Aluno da FDCL

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Tem um pouco de afeto aí?




Não se conformava com as mazelas do mundo, afinal aprendeu bem cedo que tudo que lhe saía do bolso tinha um custo: ora era uma moeda propriamente dita, ora uma ausência vestida de prata ou ouro.



Eis porque não desistia de gritar contra a imposição de uma democracia deturpada, pois, sabiamente, entendia que o que se aplicava na "disputa pelo poder" era a opressão vestida de participação social, na qual, a maioria era vencida pela minoria em virtude de uns vinténs trocados por escravos, aliás, por causa de alguns escravos que se vendiam por vinténs, e logo, entregavam de bandeja a liberdade de ir e vir e de ser e estar.



Na tentativa de abrir os olhos de alguns, ela gastava seu precioso tempo plantando letras de serenidade, suspiros de alívio em conclusões acertadas, consciência crítica nas indagações e intensas interrogações bem colocadas.



Se revoltava cada vez que uma verba pública era desviada porque assim sabia que mais um cidadão não fugiria da covardia de uns e outros.



Se retorcia toda quando ouvia a ladainha que os homens de poder rezavam de joelhos diante dos deuses que eles inventavam.



Se culpava por ser intolerante, ansiosa, às vezes arrogante (e quem não é), mas jamais saia de casa sem um sorriso. Era sim de natureza, a bússola, passeava entre a paz e a utopia, era uma explicação sua harmonia.

Quando via a dor no outro, se compadecia.



Quando sentia uma alma fria, a aquecia.



Se via a fome, mudava seu nome, mas a comida promovia.



Se era vítima de destemperança, não deixava de sonhar.

Se o amor lhe faltava, mesmo assim, distribuía sorrisos inebriantes.



E nunca se cansou:



De cantar uma canção de amor.



De lutar pelo que lhe restou.



De plantar a flor que nunca brotou.



De perfumar o ar de quem encontrou.



De evocar o amor, quando enfim respirava.



E de tanto ver a dor assolar alguns, se vestiu de Prada e tomou-a para si mesmo.



Agora vive no compasso, dançando na chuva, porque àquele que vê a vida como milagre, jamais desistirá do próximo suspiro.



E por assim viver, tomada pela emoção de uma nação, alfineta as “costuras” para exigir que elas sejam consertadas; tira a prova daquilo que pediu para fazer; as vezes apertam demais de um lado, desprendem do outro; fazem bainhas curtas e se esquecem de casas e botões. Mas ela não desiste, é brasileira, tem pouca ginga no pé, mas também não perde a fama do bom mineiro, "come quieto", sem exageros... Tem sempre um prato bom para servir aos seus companheiros.



Quando, diante da falta de zelo, com aqueles que a vida colore os cabelos, exige sem preconceito, poxa, não tem um pouco de afeto ai?

Mas de tudo que me enche o peito, dessa estrela que a vida desenhou, não faço lembrar e nenhum desfecho que dela não me orgulhei.



A vejo como um belo dia, que ao nascer nos transfere a alegria e ao findar deixa o seu perfume no ar.

Difícil descrever pessoas de bem, afinal, elas já vem escritas!"


Mônica Melo
Ex-aluna da FDCL
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O abraço da esperança


O crescimento do número de transplantes de órgãos e tecidos no Brasil, nos últimos dez anos, revela a ampliação do número de doadores e, consequentemente, a nova visão que se estabelece sobre o tema e suas consequências no âmbito da saúde pública e da preservação da vida. Segundo o Sistema Nacional de Transplantes (dados Portal da Saúde do SUS), são 1.376 equipes médicas autorizadas, em 548 estabelecimentos de saúde, presentes em 25 estados da nação. Um dado surpreendente quando se fala no tabu que durante muitos anos foi alimentado no país.

Mas o que a simbologia do tema, traçada em um laço verde, pode nos revelar?

E na pretensão poética de ampliar a visão temática um texto que nos faz refletir...

“O que posso mais querer de mim que não seja deixar aquilo que se tornou prescindível quando me despedi? Só me resta a concessão. Assim, um pouco de tudo que constituí ficará presente naquele que conserva a vida por mim... E se não é milagre (como creio), é uma faísca dele...”

O ABRAÇO DA ESPERANÇA

Em uma definição estritamente técnica e científica o corpo é a constituição do ser vivo, a sua materialização. Do ponto de vista espiritual adere ao conceito de forma física que guarda a alma, uma capa, armadura. E se debruçando no desejo de reduzir o corpo a um conceito que traga ao coração uma visão pura de ternura, temos um presente... Um traço singular e palpável que nos confere sentidos, por meio de órgãos e tecidos, para apreender o que nos alenta, um suntuoso contorno de monopólio imediato, mas cujo controle de dissipação não nos compete.

Sem a propriedade que apresaria o desejo de se desligar, o corpo então, em sua essência, não poderia ser nada além, do que um sopro de esperança, devolvido e partilhado, já que nunca foi seu, era emprestado; amado e multiplicado, dividido em órgãos, tecidos e sentimentos; ressurgido e carimbado, uma esperança de abraço, um documento assinado, um verdadeiro dom, um ser fragmentado, mas com tudo interligado.

Se não mais cantaremos uma canção, se o médico não ouvir as batidas do coração, se as lágrimas secarem e se sobrar saudade e solidão, não resta nenhuma vaidade, a ordem é a concessão.

E aquele coração, que por fortaleza tamanha não quer parar de ralar, precisa outro espaço adotar, outra vida, quem sabe, devolver sem sustar?

Os rins que filtraram aquilo que não havia de tomar, cada vez mais limpos, embora entupidos possam ficar... E se não forem reaproveitados naquilo que aprenderam realizar, ficarão antiquados, e sua função perderão.

Os pulmões que trouxeram ar e foram no outro suspiro buscar, traduziram sentimentos, fizeram com que se perdesse no ar... Os sentimentos de alegria, de raiva e de emoção deram visibilidade, mas se não entram em ação, para que mais servirão, se não for pra soprar vento a um vulcão, em erupção... Coração!

A usina de processamento desse equipamento milenar (corpo) ele armazena, transforma e descarrega. Guarda a água da vida, reservatório que lembra um prisma, bastante ovulado. Se o fígado tivesse coração decerto o cederia também.

Se é pra devolver sentido ao olhar (córneas), se é pra fazer o sangue correr nas veias (medula óssea), se é para dar maciez à capa (pele), se é para evitar que até os ossos entre em atrito, pois somos da paz (cartilagem); se é para permitir movimento de fortaleza (ossos); e se é para ver o vermelhinho fervendo (sangue) tudo vale a pena.
A doação não é uma escolha fácil, nada nessa vida seria, mas se uma estranha força te impulsionasse e o levasse para além da vida e numa visão de cima, olhando para si mesmo e para uma alma quase fria, o que esperaria com caridade de alguns que te devolveria a alegria?

Apenas um sorriso concessivo, porque aquele que tem o poder de salvar uma vida torna-se um pouco divino... E para os anjos, há sempre um jardim florido... E uma necessidade de amar as pessoas como se o amanhã não lhe pertencesse...

É vida que brota da vida, é vida que nasce do amor...

Permita-se dar a voz... Permita-se ser a voz. E o silêncio só se dará como homenagem...

DOE ORGÃOS E TECIDOS. A VIDA RENASCE EM SEU NOME...


Mônica Melo
Ex-aluna da FDCL
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O terrorismo no Brasil? Olha debaixo do tapete...




Na última semana os meios de comunicação de todo o mundo bombardearam uma série de informações sobre o atentado terrorista ocorrido em Boston e suas consequências. De certa maneira, esse bombardeio nos faz acender a “luz vermelha” quanto ao real controle e a efetiva segurança quando da violência que contra ataca. A maldade humana, a suposta e pretensiosa certeza do extremismo religioso e as infindáveis guerras de poder e pelo poder são um prato cheio para a comunhão da violência que traz a tona um fato consumado: estamos sujeitos a ataques invasivos de todos os lados, e pior, jamais estaremos prevenidos o suficiente, afinal a mente humana tão criativa desenha novos projetos e planos para mapear o horror e causar pânico em todas as nações do mundo.

Tudo bem que esse seja só mais um ataque terrorista de grande porte e com direito à caixinha de surpresas já que, a violência psíquica, física e moral oferece um “menu” completo de opções, um leque de possibilidades de atuação e, consequentemente, uma atuação cada vez mais ancorada na audácia e na iminente ameaça.

Mas reconhecer atos e atentados terroristas em países desenvolvidos é fácil porque a eficácia e eficiência dos grupos de contenção são invejáveis. Para aquilo que não se pode prevenir, ao menos, o remédio vem em dose necessária e em pronto atendimento. O que assinala, grosso modo, a intensa preocupação das potências mundiais em impedir que a impunidade monte seu palanque e o pânico se instale entre os povos e nações.

O discurso mundial e territorial é de que no Brasil (país em desenvolvimento) não tem, a princípio, terreno árido para ações de violência em massa. Analisando a “cadeia hereditária” e balançando o tapete para retirar a poeira que por baixo dele se instalou é improvável que tal afirmativa tenha fundamento.

Se a definição de terrorismo está ligada à violência em todas as suas vertentes, recolhamos alguns dados para refletir o conceito real de “terrorismo”: se não é terrorismo a fome e a pobreza que ataca muitas cidades do interior; se não é terrorismo a violência urbana vestida de latrocínio, de roubo, de sequestro, de homicídio que mata os sonhos de muitos; se não é terrorismo a omissão do dever de fiscalizar e a consequente responsabilidade pela morte de centenas de pessoas (como ocorreu na Boate em Santa Maria-RS); se não é terrorismo os crimes contra o erário público e a consequente diminuição de investimentos na garantia dos direitos humanos individuais e coletivos; se não é terrorismo o desvio de dinheiro público que seria investido em obras de criação e manutenção de vias de acesso terrestre e a negligência, imperícia e imprudência dos motoristas que por ela trafegam, tirando a vida daqueles que só queriam ver o sol nascer novamente; se não é terrorismo o desrespeito à mulher e a obsessão que gera a necessidade de extirpar um ser, que vale apenas o preço de um egoísmo e vaidades distorcidos; se não é terrorismo a prática de abortos clandestinos e de cirurgias estéticas sem moderação; se não é terrorismo a exploração da fé e a exploração do homem; diga-me o que então?

Afinal, somam-se as mortes, multiplicam-se os medos e a liberdade de ir e vir, de pensar, de criar e de fazer o bem se torna uma utopia só vista em letra de música.
E ainda dizem que no Brasil não há terrorismo...
  
Mônica Melo
Ex-aluna da FDCL
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Um acalanto para uma alma nobre, em extinção


Diante de todas as barbáries que adentram as nossas habitações (voluntária e involuntariamente) a cada manhã que desponta, somos flagrados diariamente lamentando os problemas do mundo (como se não fossem nossos).  
Que os meus sentidos não se enganem, ainda que não os detenha. Quando arremessam uma injustiça, sem direção... Acertam-me, como se alvo fosse, quando o assunto é educação. Educadora, educanda, educada e consciente de que Paulo Freire balançou o seu túmulo nos últimos dias de tanta decepção.

De um lado a guerra em busca da paz no oriente médio (não é incoerente uma guerra em busca da paz?), do outro a massificação de um sistema neoliberal falido que embora sobreviva à base de antídotos incidentais e sucessivos (alguém tem que pagar) apresenta um quadro estável de vulnerabilidade socioeconômica e aguarda ansiosamente a morte súbita, já que, mesmo fadado ao descontrole compulsório, insiste em ser a marca de um mundo moderno e globalizado; e entre “trancos e barrancos” aparecem os fervorosos discursos em favor da educação e da geração de trabalho e renda. Afinal, educação e emprego formam um casamento perfeito: fidelidade na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, por todos os dias de nossa vida!

Mas se a educação é a bomba d’água da vez e de tempo em tempo é relembrada como a salvadora de uma pátria porque será que os educadores não são importantes? Irrelevante! Em meio à tempestade avassaladora que assola as Minas Gerais, onde o ouro enriqueceu tantos e que a história deixou numerosos caminhos para trilhar passo a passo, a educação virou laço e vive às mãos de toureiros, pouco adestráveis.

Ouvir dizer que tem “povos e povas” que distribuem paradoxalmente a expressão “folgados” aos servidores da educação que lutam firmemente pela conquista efêmera do que é considerado mínimo em nível nacional, chega a ser deprimente, o mínimo legal porque o moral já perdeu as suas asas faz tempo e rasteja.

Trabalhar em dois turnos ininterruptos; sem nenhuma segurança; tendo a obrigação de serem pais e professores (a família resolveu terceirizar a educação dos filhos); serem agredidos física e verbalmente; ridicularizados diante dos próprios alunos, sem ao menos zelarem pela dignidade prevista na Constituição Federal é um crime, inafiançável. A distorção é tão grande que de vítimas partimos para o papel de criminosos, quando “por motivo fútil” abortamos o direito à educação de alguns. Mas quando “decapitam” a nossa dignidade poucos são os que tomam nota de nossas cabeças.

Professor é um gato de botas. Sete vidas e um desejo: ver um novo acontecer. Conhece alguém que tenha tido êxito intelectual sem ao menos ter passado pela escola? É ele o responsável pela formação dos maiores intelectuais no nosso meio e hoje são tratados como meros mascotes de uma educação fria em que a preocupação se resume apenas à sala de aula, sem ter o direito de conquistar sequer as facilidades que os deixariam mais confortáveis, como um veículo de transporte que facilitasse o acesso aos locais diferentes de trabalho, porque apenas um, não financiaria o sustento da família e no investimento na educação dos próprios filhos, que em sua maioria, são “tachados” como mais favorecidos porque podem usufruir de uma escola particular somando o esforço dos pais, e as renúncias.

Um Estado que não se preocupa com a educação de seu povo, não se preocupa com o seu povo. É um silogismo perfeito e sem mais delongas.

É folgado sim, o educador que sai as sete da matina de casa e só volta ás dezoito para apreciar as tarefas de casa e cuidar dos filhos;

é folgado sim, o educador que pega de dois a quatro coletivos para ir e voltar do trabalho;

é muito folgado, o educador que não se cansa de repetir a mesma lição e ensinar além de matérias de teor científico a cidadania;

é folgado aquele que prepara com carinho as aulas e as provas que serão aplicadas para analisar o conhecimento dos alunos;
como é folgado, àquele que se veste de armadura para fugir dos tapas e pontapés dos que se apresentam sem limites para os nãos que a vida nos apresenta; e quantos são os folgados... Cada dia se forma mais um, na cidade, no estado, no país.

Só não são folgados àqueles que representam este povo que tem medo de gritar contra a opressão, porque aprenderam a se calar diante da injustiça, e a aceitar essa realidade que envergonha os poucos que angularam a sua vida sob princípios e valores éticos e morais cristãos.

Fácil é dizer que os problemas do mundo não me afligem, e ficar à mercê de um toque divino que mude tudo em alguns segundos, a omissão é pior do que a ação mal gerida, porque ela se soma a esta e assim, sobrarão poucas ações em prol da construção de um mundo melhor, e este, só acontecerá quando cada um tiver certeza de que há uma relação entre tudo e todos. A globalização é um pouco disso, a fome também, as intempéries da natureza e tantos outros.

Assim, se se somam os folgados quem sabe não haveremos de escrever uma nova história. Espero ter sido exterminada antes mesmo do início destes novos tempos... Pra não sofrer a dor destes que comigo cantam uma canção de esperança: EU AMO EDUCAR, MESMO QUE NO DESERTO.

Mônica Melo
Ex-aluna da FDCL

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A incrível e interminável viagem entre a cabeça e o coração


No corre-corre do dia a dia alimentamos nossa vida de ações que se sucedem, na pretensão de realizarmos aquilo que desejamos ou planejamos como fim. Assim, desde o momento do despertar, a preocupação nos acomete, tornando-nos seres repletos de obrigações (mesmo que essas não representem valor agregado para as pretensões que assumimos) pelas quais, somos responsáveis.

A nossa mente nos engana e como se sacana fosse perturba o nosso eu interior provocando sentimentos e emoções que não representam um conjunto vazio embora cheio de receios e perturbações.

O coração que pretensiosamente ouso definir como produto superfaturado de espaço físico e espiritual não obedece ao comando cerebral (racional).

Na disputa insaciável pela “ocupação das terras”, a viagem interminável entre o coração e a cabeça vai apenas mudando a sua rota.

De tempo em vez, o coração amadurece e cresce e por vezes apodrece, logo: estragos são inevitáveis. Já de vez em quando o sopesar da condição, moldado da frieza e da tranquilidade de não se contaminar pelos sentimentos que enganam quem vê (amor foge da habilidade) resfria as esperanças ilusionistas e numa operação balanceada, comedida e bem pensada inaugura uma decisão onde a razão ostenta gloriosa o seu troféu. E como a razão é cheia de medidas, jamais perde o roteiro, cumprindo rigorosamente os critérios para evitar descontroles. Uns deslizes fatalemnte...

Quantas estações se apresentam nessa viagem. O trem da vida passa rápido por demais. E quando menos esperamos já chegamos ao destino final. A cada aviso solto, sussurrado de mansinho numa voz pouco intimidadora, de uma nova parada, a proximidade do fim destinado vai aumentando.

Se o lema é ser feliz por acaso, a vaidade e o egoísmo (de casamento marcado), se separam e o coração exala dando pulos de alegria. Infla, causa falta de ar, estômago dominado por borboletinhas, choro fácil e pés fora do chão.

Mas se o lema é ser feliz a qualquer preço tudo perde o seu valor. O egoísmo se une à vaidade costurando uma aliança pra lá de destruidora. E cada um se vira nos 30... Ou seja, cada um no seu quadrado.

Bem, mas porque chegamos até aqui? Talvez pra dizer que o caminho, melhor dizendo, a incrível e interminável viagem entre a cabeça e o coração é um mistério que se decifra a cada quilômetro percorrido. Vai ter muito estacionamento proibido, muitas “cargas” e “descargas”, muitos sonorizadores (terceiros), muitos quebra-molas, mas em sua maioria, a estrada oferece segurança e conforto, principalmente nos trechos privatizados, onde há o pedágio. Vai saber o quanto se paga por tudo isso... Ou quem paga...


Mônica Melo
Ex-aluna da FDCL
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Porta ao vazio, degraus suspensos

Minha insanidade fenece
Com o desabrochar de teu sorriso
Assim penso que há alento nos fonemas soltos q você me cospe
Como o muro e a ogiva, Mandiba e o apartheid.
Mas enquanto toco os selos e arrasto tambores
O teu cheiro estraga o almoço:
Vejo tua sombra a deixar as paredes a latir.
Passo, passas tu: rasgo panfletos, quebro flertes velados
Espero ao meio do dia o “jóia” de um motorista qualquer.
Penso com o sol a rachar o vidro que teu suor era Ibiza , Ibiza.
Fico a olhar vespas, dardos, musgo citroens...
O livro a molhar nos joelhos, os vasos a morrerem.
Devo correr, abandonar bangalôs
Alimentar os pedreiros todos esses dias que são eternas segundas.
A cadencia ladina de teus passos oblíquos
Quebra a lógica de meus suspiros:
Atendo a porta de luva  e chinelas
Acreditando que alguém gritava o nome de minha mãe q sumiu.
Folheio compromissos, compro torradas
Ao descer do carro ali esta teu trago:
Nadar a noite foi tão bom, tão bom mas foi...
A vida diz, o corpo pede e as Madonas eram tantos porões:
Devo ler Ginsberg e jogar baralho com os homens do bairro.
Pensei sentir o roçar de teu paletó surrado no teatro lotado.
Ah!...O itinerário fantasioso, a ruazinha da infância:
Esperar a vagabunda a noite toda.
As pessoas olham: amanhã serei outro.
O estigma que trago de teus cílios
Carrego por trás das sombras que nunca escolhi...
A idéia do amor o faz precioso ávido, compassivo
Mas a sede do suor pede delicadezas como o cobre no veludo.
Preciso adormecer sem molhar a barra das calças
Por mais que você recoloque minha mão no escuro.
Paris foi um dissabor... Mas, axé!
Enquanto sento no banco e conto as ranhuras da madeira podre
Amo muito mais o jovem que fui aos 15 anos.
E você não existia, não existia...

                                                             Flávio ventus, ± Marco do XIII.

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A beleza que o tempo não apaga


Se a beleza tivesse escolha e pudesse incorporar um ser com maestria, ainda sim, não a superaria.

Beleza pra ela é tempero fraco...

Tem muito mais do que um simples olfato.

Nas linhas finas de tua face e no contorno perfeito de uma forma feminina que nem precisa de aclarações, brilha ela, sobrepondo a natural performance de uma natureza primaveril que nos enche os olhos.

Ela tem cores vivas que ofuscam, sem mérito, sem desejo de sedução, sem expressão de atração... Embora se confundam...

E se as ruas ficam mais belas, o perfume que dela exala se junta aos sonhos e desejos daqueles que, mesmo de longe, percebem a sua presença significante.

Se se intimida, acaba por intimidar o sexo oposto.

Se se vê despercebida, atenta-se para uma visão de distorção quanto ao mundo.

Não faz de conta e nem faz conta, mas encanta, incorpora um personagem e canta...

Não se traduz em profissão, para que, se sabe que isso é apenas uma opção.

A vida vale mais do que o dinheiro compra.

E sendo bela, tendo tido para si uma passarela, deu-se em missão, assumiu a emoção e dispensou a razão. Ganhou maturidade, sentiu muitaa dor, mas teve uma vida em si, e isto a fez mulher.

Mulher que embora seja forte, nem sempre tranquiliza.

Embora seja firme, nem sempre se estabiliza.

E de risos em risos, de sonhos em sonhos, de gestos em gestos e de emoção aflorada passa pela nossa vida a moça encantada, a clareza de uma beleza que o tempo não apaga...

Para a minha amiga Júnia Palmieri

Mônica Melo
Ex-aluna da FDCL

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A sensação de frio na alma


A imensidão dos sentidos que se choca no tilintar de um coração que se prepara para alçar voos um pouco mais intrigantes, traduzem a efêmera sensação de conforto presente no colo de uma alma livre, na natureza de um abraço apertado, de um aconchego enlatado, um turbilhão em sua tradução.

Quem dera a vida fosse um encanto mágico, dotado de membros e sentidos, cujos lábios de mel, na pureza de uma palavra doce, revelassem-nos, com delicadeza, o segredo da completude numa decifrável teoria algébrica. Uma matemática doce e leve, mas exata.

E a alma, fonte viva de calor e superação, encobre seu choro na esperança de ouvir os sinais de quem chega (se é que chega) para se apresentar como um novo habitante para povoar essa plataforma de oblações.
E, nesse contexto em que o tempo faz o dedicado papel de nos moldar, já que somos, por inerência, pedra bruta, somamos nossas expectativas para, enfim, firmarmos nossas raízes em solo fértil, nosso desejo de não sermos fragmentados.

Na face, junto à cabeça, trazemos o letreiro que nos denuncia com letras garrafais: PROCURA-SE DE PESSOA INTEIRA que traduza a noção de espaço existente em ser e ter e que se posicione junto à virtude;
Que demita meias verdades e alie teoria moderna à prática sincera, sem demagogia;
Que dê uma rasteira no ego e despiste a vaidade deixando-os para trás, sem ao menos um olhar de compaixão ou arrependimento;

Que transforme as primaveras em flores de maturidade acolhidas e não em contagem progressiva (regressiva) para a morte;

Que se permita perambular entre o certo e o errado sem radicalismos, na pretensão de conhecer a si mesmo e os outros;

Que olhe para seu espelho interior e se dedique a evitar reflexos naqueles que o rodeiam;

Que evite julgamentos apressados, movimentos acelerados e palavras súbitas;

Que tenha coragem de enxergar o outro em seus invernos (infernos) e tolere o calor agudo de seus verões (pois sol em demasia causa queimaduras), usando filtro solar;

Que não desperdice os sonhos em noites de solidão;

Que conviva e viva sem se perder em noção;

Que una e não achate e que use laços e não prisão;

Que se comprometa com o outro e não traia seus ideais na trapaceira expectativa de ser feliz;

Que registre sua identidade com princípios e valores que não afastem os estímulos do coração;

Que se parta em pedaços, que se faça um amasso, mas jamais se desligue da sua missão de aquecer a alma depois de um intenso outono, folhas caídas, galhos secos e depois disso a renovação.

Sendo assim, em tudo que há de vir, que me faça um aprendiz, porque ser PESSOA INTEIRA nesse mundo é imitar um colibri: um pouco aqui, um pouco ali, mas jamais se perde ou perde em si. Onde há um beija-flor, enfim, há sempre uma flor... Simples assim!
E a sensação de frio na alma passa...

Mônica Melo
Ex-aluna da FDCL

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Momento


Hoje o sono é dispensável, diante dessa noite tão bela.
A lua compartilha uma lembrança que insisto em cultivar hoje, amanhã e sempre.
A brisa suave compara-se ao seu semblante.
As estrelas sugerem essa admiração que sinto ao contemplar o seu sorriso, único.
A insensatez de contar as estrelas compara-se apenas com o exato momento em que toquei seu rosto.
Momento que se eternizou com o brilho e a beleza da maior testemunha de tantos encontros e desencontros, a lua.

Waidd Francis de Oliveira

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Como é que vivemos?


Tarcísio Henriques Filho
(o autor é Procurador da República em
Belo Horizonte, mas gosta de ser lembrado
por sua amizade ao editor deste periódico eletrônico).

Escrever não é fácil. Vocês devem saber disto.
Portanto, tendo a oportunidade de encontrar outras boas mensagens em outros autores, permitam-me a liberdade de usá-las. Prometo sempre dizer de quem são as idéias.
É isto o que vou fazer hoje, abrindo aqui espaço para um “causo” contato pelo inigualável Olavo Romano, no livro “Casos de Minas”. O que ele conta, com o título “Como vivem as pessoas” é, ipsis literis, o seguinte:

“O velho jipe largou o asfalto e pegou a estrada de terra. Tudo correndo normal, com hora e meia entravam em Santa Maria. Os dois casais eram estrangeiros e iam apreciando a paisagem: região montanhosa, terra fraca, campo ralo e cerrado. De vez em quando uma fazenda com capineiras em volta, barracão quase afogado no capim verde. Aí o gado era melhor, holandês preto e branco ou branco e vermelho. Mas, no geral, eram vacas magras e compridas, orelhas grandes, lembrando a origem zebuada já meio perdida.
Passaram por três mulheres que balançavam as cadeiras e equilibravam na cabeça um feixe de lenha. Um bando de anum-preto cruzou barulhento na frente do jipe. Um gavião carrapateiro voou para seu ninho. Estava quase anoitecendo.
Avistada de longe, Serra do Cristal, parecia um presépio. Lá teriam de abastecer. Daí a pouco estavam subindo a rua comprida, que chegava na Praça da Matriz. Deram várias voltas sem encontrar uma bomba de gasolina. O menino sentado no passeio informou a casa, na esquina de baixo, onde podiam quebrar o galho. Foram até lá.
Um rapazinho os atendeu na porta, meio fascinado com o sotaque. Enquanto o tanque enchia, os homens quiseram saber sobre o fubá e as coisas que podiam ser preparadas com ele. O menino da gasolina pediu ajuda ao patrão. Muito calmo ele explicou como é que se fazia angu, farinha, broa comum e de fubá de canjica, sopa, mingau.... A dona da casa convidou as duas mulheres para entrar, descansar um pouco, tomar um cafezinho.
-         Aqui não tem indústria – disse uma delas.
-         Tem não.
-         O comércio também não é muito forte.
-         Comerciozinho de lugar pequeno. Dá pra ir vivendo apertado.
-         No caminho não vimos nenhuma fazenda grande, a terra parece fraca.
-         É. Terra ruim. Nenhum fazendeiro muito forte.
-         Em compensação não tem mendigo na rua.
-         Tem mesmo não. A Conferência quase que só ajuda é o compadre Nicodemos, mesmo assim por questão de doença e bebedeira. No mais, todo mundo é mais ou menos remediado, nem muito rico nem muito pobre.
-         A gente viu o povo na porta das casas, crianças brincando na rua. Todo mundo bem vestido. Roupa simples mais limpa e de bom gosto. Pareciam bem alimentados e com saúde. Mais importante, tinham um jeito feliz.
-         No comum, tirando alguma doença ou morte na família, que isto não tem jeito de não ter, o povo é feliz. Ou conformado.
-         Mas, afinal, de que é que vocês vivem?
Apanhada de surpresa, ela pensou um minuto antes de responder. A única explicação foi esta:
-         Ah, dona, acho que a gente vive é da misericórdia de Deus”. (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, páginas 11 e 12).

Tem outra explicação?
Você é capaz de encontrar uma outra melhor do que a dona da casa deu?


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Fragmento de um Instante


A Dinho Bento

 Soberanamente a noite.

O silencio dos seres que hora antes não viviam

Difusamente se espalha pela noite.

O cheiro do silêncio.

As íris das fêmeas perfeitas em suas singularidades brilham

Como portos promissores, portas sedentamente esperadas.

O coração de alguém no alto da janela se espalha com a lata de lixo

Derrubada lá embaixo.

Uma noite que daria uma tela de Miró.

Uma tela que Ismael rasgaria em pinceladas desvairadas.

Um universo paralelo se abre:

Apaga os preços, a Líbia bombardeada, o PAC, o terror...

A ampulheta dos sonhos diz que não há amanha.

Sapatos não há a esperar embaixo da cama.

Um gato sobe a escada que dá na lua

E seu esplendor natural diz que a noite é sua.

Uma flor esquecida desabrocha

Na varanda esquecida.

A locomotiva desperta estraçalha o vitral dos sonhos contidos.

A noite finda.

 Flávio ventos, ± I do XII



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Tomei Veneno


Tomei veneno. Se não tomei, sinto-o: como cavalos em fuga a vazar minhas veias. Meu estômago engendra uma bola de fogo. Será o sol? Será seu irmão, que chegastes ao fim dos castigos e agora sobe das profundezas do pacífico? Dela, da flor, nada enxergo... cinzas e pecados sentam ao meu lado sem cuidado. Meus pensamentos coloridos, pássaros, afundam formando uma coroa de espinhos de ferro. Meus joelhos desabam como que se atraídos pela areia com mormaço de sangue. Mas por que digo isso se levantei hoje à noite com dois colibris no bolso? Das moças, se olho-as, vejo suor e suores. Almas extraviadas fazem ciranda, delimitando o centro da lua. Mas a lua se dissolve: o quê será este momento? Sob o pêlo dos meus braços sobrevoam enormes pálpebras atraídas pelo teor santo. Que mão será essa, que manto, que como o uivo de um cão desmancha o céu? Que faz meu coração alvo de mil fins, que sempre em lentidão sustenta meus cílios, numa imprecisão gozante. Pode ser. Como? Sob a prensa dos meus lábios ressenti um pingo da saliva de Lautreamont. Enquanto as borboletas que desabam dos meus dentes buscam geometrias complicadas para consagrar meus dissabores amorosos. Paciência e reticências. No último verão nada aconteceu além de madressilvas, pescados e ternos e digo que foi como contar baratas. Quantas repetidas vezes contamos? Porem há conchas alfinetadas que derretem meus ouvidos como se colocassem sal no sorvete. Com o dorso do peito toquei a relva ontem. Roseiras insistiam em dizer amem. As princesas sempre me amedrontam: suas cabeleiras, seus tornozelos zelosos, a porosidade de seus fonemas... Será esse momento o adormecer de heróis perdidos? O suplicio sublime da simples redenção? Enquanto retiro a água penso nos anéis de saturno. Quantos hermafroditas se perdem nesse jardim de sacolas plásticas e petis?Uma mão peluda surge... Ah Hershe, ah Hershe... Lágrimas corrompem um incesto na ultima linha de alguma esquina agora. Esses ônibus cúmplices. Pensei em ter uma espada, pensei em viajar por minas, pensei em traficar ogros, ser cidadão... aí que preguiça. Mas três oásis bastam pro amante que sou. Vida anunciada no vou deste morcego. Quero fugir dali que não existe e tudo é tão serio. Nesse momento ter um belo genital e ser genial.
Mas que veneno.
Flávio Ventus, ± agosto X


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Um grande engano


               Morávamos em um bairro tradicional, na região central de uma pequena cidade do interior de Minas Gerais.
            Ouvia-se dizer que seria instalada uma grande siderúrgica estatal em nossa região e isso nos causava uma grande euforia, apesar de não sabermos o que realmente era uma siderúrgica, muito menos o significado de  estatal.
            Tornara-se comum a vinda de pessoas de outras cidades para a nossa, algumas em busca de emprego, outras já pré-determinadas a trabalharem na imensa obra.
            Mudou-se para o nosso bairro uma família recém chegada do Rio de Janeiro. O sobrenome me escapa no momento. Mas o nome de Berenice, esse eu jamais vou esquecer, uma das filhas do casal. Berenice era esguia, depois de muito tempo vim, a saber, o que isso significava, cabelos negros, olhos castanhos escuros, pele sedosa, meiga, doce, educada e um sorriso que encantava a todos. E carioca, porque para nós do interior de Minas aquele sotaque carregado de s e x era fantástico.
            Diante disso, quase todos os garotos da mesma idade que moravam no meu bairro ou estudavam na minha escola eram apaixonados por ela. Digo minha escola porque acompanhei todo o processo de construção. A escola foi construída justamente em cima do campo de futebol onde jogávamos uma “peladinha” todas as tardes, e quando soubemos do evento de lançamento da pedra fundamental duvidamos que fosse verdade e fomos acompanhar o feito, e confesso que nunca vi tantas crianças chorando ao mesmo tempo por causa de uma pedra. Acho até que a partir dalí desgostei do futebol.
            Na cidade, ao mesmo tempo em que tudo isso acontecia, era inaugurada uma sorveteria, cujos sorvetes eram de fabricação própria. Foi uma sensação, ficávamos procurando, catando e juntando moedas para comprarmos sorvete. Nossos pais já não aguentavam tanto pedido de tanto dinheiro para tanto sorvete. Naquela época era romântico convidar uma garota para tomar um sorvete com aqueles nomes exóticos que não tínhamos a mínima ideia do que eram.
            Mas agora vamos voltar à Berenice. Após inúmeras investidas, convites e recados enviados, já não tinha esperança de conquistá-la. Até que um dia aconteceu um episódio inusitado: eu estava diante de sua  casa, do outro lado da rua, aguardando não o sei o que ou muito menos quem, quando de repente surge Berenice na janela de sua casa, me cumprimenta e em um momento de distração ouço-a dizendo para encontrá-la naquele mesmo dia às 17 horas em frente à sua casa. Comecei a me preparar para o que seria o maior encontro da minha vida, às 14 horas, teria exatamente 3 horas para o feito. O coração parecia que ia arrebentar o peito diante da força com que batia, meus pés gelavam, meu estômago revirava, fiquei tão inseguro que fui até a casa de minha tia, que morava em frente à minha, para perguntá-la se eu estava bonito e contar-lhe sobre o meu encontro. Minha tia, muito bondosa, disse que eu estava lindo. Fiquei pronto com duas horas de antecedência e não sabia como ia esperar tanto tempo ou mesmo se sobreviveria a tamanha espera.
            Às 17 horas, lá estava eu diante da casa daquela que já, naquela época, arrebatou meu coração.  E ficava pensando o que diria a ela, do quanto ela era bonita, de tudo o que sentia por ela, de como minha mãe adoraria tê-la como nora, apesar de minha mãe ter uma certa desconfiança de pessoas que  não conhecia a procedência, coisas da minha mãe, do tipo: “- meu filho! Reze sempre porque a tentação está solta, peça a Deus para colocar no seu caminho uma pessoa boa, direita e de consciência, que te trate com respeito, consideração e carinho” - hoje fico a relembrar e constato de onde herdei o meu lado sonhador.
            Pois bem, o tempo foi passando e Berenice não aparecia para o nosso encontro.  Confesso que não tive coragem de tocar a campainha da casa dela. Pensem bem, naquela época, a casa  já tinha campainha. O tempo passou, e Berenice não apareceu, desolado fui embora. Ao chegar a casa, minha mãe logo perguntou como havia sido o encontro e qual sorvete havíamos tomado. Respondi que havia sido ótimo e que o sorvete foi de flocos. Não tive coragem de dizer que havia ficado plantado na frente da casa da Berenice por quase 3 horas esperando por ela, em vão.

Depois de muito tempo, fui saber que naquele dia do encontro ocorreu um mal entendido: Berenice não marcou o encontro comigo, mas com sua amiga Tina, que morava na rua de cima. Literalmente cego de paixão não pude perceber que as duas conversavam, ambas nas janelas de suas casas.

Waidd Francis de Oliveira

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A “invasão” de Jordânia


Tarcísio Henriques Filho (o autor é Procurador da República em Belo Horizonte, mas gosta de ser lembrado por sua amizade ao editor deste jornal eletrônico).

Numa época não muito distante, todas as notícias eram dadas pelas rádios e o país inteiro só se mantinha informado por eles. No interior do país, então, a dependência era ainda maior. O que vou contar aqui é um fato verídico e vocês podem confirmar através de uma simples pesquisa nos sites de buscas da internet ou conferir com alguns dos habitantes de Jordânia, uma pequena cidade no vale do Jequitinhonha, quase na Bahia.

Nos conturbados anos 60, precisamente em 1967, durante o conflito armado no Oriente Médio, e ampliando as áreas de combate, o Estado de Israel resolveu invadir a Jordânia. Vejam vocês. Naquela ocasião, o rádio transmitiu a notícia anunciando mais ou menos o seguinte: “Israel vai invadir a Jordânia com 1600 homens e 16 tanques blindados”. A notícia correu pelo país, mas só teve repercussão em Jordânia.

O Prefeito de Jordânia naquela ocasião, Valdívio Pereira de Sousa, conhecido como Valdivinho, era adversário político do então Governador do Estado, Israel Pinheiro, imaginou que o problema era com ele e resolveu se preparar para a “invasão”. A cidade toda ficou dividida e uma parte significativa dos moradores, armados, foram alojados em barricadas na entrada da cidade aguardando a chegada das “tropas” de Israel, no caso, permitam-me, do Governador Israel Pinheiro.

Até hoje o caso é motivo de divergência entre os historiadores. Vejam, por exemplo, o que conta o Tadeu Martins, em versos “clássicos”, o que aconteceu: “No noticiário matinal da Rádio Guarani, o repórter anunciou essa manchete aqui: ‘EXÉRCITO DE ISRAEL FOI PARA JORDÂNIA PRONTO PRA INVADIR’”. O prefeito quase desmaia quando ouviu aquela notícia, chamou o seu secretário e ordenou com malícia: ‘Avisa pro Delegado pôr de prontidão a polícia’. Mandou a família pra roça, foi pro correio telegrafar pro deputado majoritário mandar homens lhe ajudar, pois Dr. Israel Pinheiro vinha pronto pra brigar e explicou ao telegrafista, que ouvia tudo a sorrir, ‘Dr. Israel Pinheiro não gostou de ter perdido a eleição aqui e agora que tomou posse mandou o exército invadir’ ”.

Só com o passar do tempo o caso ficou esclarecido. O que sei é que durante muito tempo a população ficou apreensiva, esperando a chegada das “tropas”. O que pouca gente sabe é que o Sr. Lauro dos Anjos, antigo morador do povoado, por vias das dúvidas, fez com que o seu filho Antônio dos Anjos, então menino, fosse incorporado às tropas da cidade.

Conheço uma foto, antiga, em que o menino, armado de estilingue, está de pé numa das barricadas instaladas na entrada da cidade, esperando as “tropas” do Governador chegar. Já naquele tempo, ainda de fraldas, o valente demonstrava sua conhecida coragem. Ficou conhecido a partir de então como “Cabra Macho” de Jordânia. O município deve muito à ele.


(Dedico esta história a Sra. Telma Campos dos Anjos, irmã do personagem principal)

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