segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A historicidade da criança e do adolescente


Para os direitos da criança e do adolescente progredir até os tempos atuais, com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), não foi questão fácil. O ECA nasceu em 13 de julho de 1990, e o Brasil foi o primeiro país a editar uma lei especial para a proteção integral da criança e do adolescente na América Latina, mas antes disso, os direitos dos infantis rastejavam, evoluindo sempre em constante desvantagem em relação aos direitos fundamentais do homem.

Como constata na história, a criança e o adolescente não passavam de servos do poder patriarcal, como visto no oriente antigo, até mesmo nas primeiras leis codificadas pelo homem, percebe-se a grande desvantagem entre as penas aplicadas aos jovens de idade inferior e as penas aplicadas aos adultos, por exemplo, se o pai dormisse com sua filha era expulso da cidade, essa pena era forte no sentido da necessidade da prática do culto doméstico. Inicialmente, as pessoas eram tão presas à religião que a expulsão da cidade se caracterizava como a pior das penas, pois o individuo era obrigado a se separar do altar e dos túmulos de seus ancestrais, essenciais a prática da cerimônia religiosa. Continuando, em contra partida, se uma criança ou adolescente[i] adotado ousasse voltar à casa dos pais biológicos teria como pena a extração de seus olhos, ou ainda, se batesse nos pais, sua mão era decepada. Antes da formação das cidades e pouco depois daquela, o pai, chefe da família, detinha o poder absoluto de julgar os membros desta, além de decidir pela aplicação das penas, isso mostra o total desamparo jurídico da época.

Em Roma, por volta do ano 449 a. C., a Lei das XII Tábuas permitia ao pai, mediante cinco testemunhas, matar o filho que nascesse disforme ou com alguma deficiência. Amparado pela mesma Lei, o pai possuía o poder de vida e morte sobre o filho, inclusive, o poder de venda do mesmo.

Em Esparta não era muito diferente, porém, lá ainda havia um “plus”, este no sentido de que a cidade considerava essencial e de extrema obrigatoriedade que todos os cidadãos fossem treinados como soldados, logo, o treinamento se iniciava aos sete anos de idade, quando os meninos eram enviados aos arredores da cidade, sem roupas, para que sobrevivessem sozinhos. Para conseguir comida, as crianças tinham que lutar com animais e entre si, a “agogê”, como era chamado, duravam-se treze anos e era dividido em ciclos, e no último deles, os espartanos, perto dos 20 anos, considerados subcidadãos e agora seminus, realizavam trabalhos em favor da comunidade, além de, prosseguirem, em horários alternados, com o treinamento militar, que regulava a quantidade de comida a eles fornecida com o intuito de os deixarem famintos e os forçarem a roubar[ii], entretanto se fossem pegos roubando eram chicoteados em público.

Na Idade Média assim que a criança tivesse condições de sobreviver, no sentido restrito da palavra, ela era integrada ao mundo e considerada um jovem adulto, que possuía ofício e era penalizada da mesma forma que qualquer outra pessoa não importando sua idade. A infância era ignorada, não tinha sentimento de respeito pela criança e não se acreditava em sua inocência, sendo tratada com liberdades grosseiras e brincadeiras indecentes, além disso, em casas que se tinha apenas uma cama e todos da família a compartilhavam, figurava-se a participação ativa da infante na sexualidade de seus pais. Todavia, no mesmo período, perceberam-se pequenas mudanças como a aquisição da Igreja Católica do encargo da educação dada aos jovens de até 15 anos. Dentro dos mosteiros se ensinava latim, doutrinas religiosas e táticas de guerra àqueles pertencentes a famílias com poder aquisitivo. Além disso, encontra-se em códigos jurídicos datados da Alta Idade Média uma faísca em defesa da criança, por exemplo, na Regra de São Bento, que descrevia a diligência na disciplina e pregava, entre outras coisas, o tratamento diferenciado ao menor de 15 anos de idade, além da premissa de que nenhum jovem deveria apanhar sem motivo algum.

Já na Idade Moderna, perceberam-se vestígios do sentimento para com a infância, primeiro como sendo esta a fonte de entretenimento dos pais e anos mais tarde, com o surgimento do “retrato de família”, relacionado àquela com a situação de pessoa em fase prematura e de desenvolvimento. Sobretudo no século XVII, a criança até os sete anos de idade era tratada como o centro das atenções, entretanto a partir daí era responsabilizada como se adulta fosse, passava a ser vista e cobrada como a continuação de sua família e da sociedade, sendo por isso, sujeita a castigos físicos e a espancamentos inventados para moldá-la para o convívio social. No entanto, esta intenção de treinar a criança, que era vista quase como um patrimônio, para a idade adulta foi responsável pela morte de metade das pessoas em Londres nos anos entre 1730 e 1779, todas elas, com menos de cinco anos de idade.

Até 1959 a criança e o adolescente não eram considerados sujeitos de direitos, neste ano, porém, com avanço, a ONU declarou os Direitos da Criança e do Adolescente baseado na declaração dos direitos humanos de 1948, entretanto, este documento não possuía cumprimento obrigatório, não passando de um simples pedaço de papel, isso só iria mudar a partir das ações realizadas entre, 1988[iii] e 1996, onde nota-se efetivamente a institucionalização das garantias da criança e do adolescente.



[i]  Vale a pena deixar claro que, até a idade contemporânea, não havia essa distinção.
[ii]  A prática do furto para alimentar-se era extremamente necessária durante as guerras longas.
[iii]   Com os movimentos articulados em 1986, apresentaram-se duas emendas ao Congresso Constituinte: uma intitulada “Criança e Constituinte” e outra, “Criança: prioridade nacional”- ambas de iniciativa popular, com mais de duzentas mil assinaturas de eleitores de todo o País. Os textos foram fundidos e se transformaram nos arts. 204 e 227 da Constituição Federal, que obtiveram 435 votos a favor e oito contra.


Jéssica Mayara V. Coelho
 jesmay8@rocketmail.com

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